terça-feira, 18 de setembro de 2012

OS VISSUNGOS, CLEMENTINA DE JESUS E FILOLOGIA NEGRA




OS VISSUNGOS, CLEMENTINA DE JESUS E UM POUCO DE FILOLOGIA NEGRA

Este estudo visa analisar o gênero musical ‘vissungo’ e sua relação com a obra da sambista carioca Clementina de Jesus.Para tanto nos baseamos no Suplemento Literário de Minas Gerais “Cantos Afrodescendentes: Vissungos” publicado em Belo Horizonte, outubro de 2008. Edição Especial. Secretaria de Cultura de Minas Gerais.

Também pesquisamos o verbete ‘Clementina de Jesus’ no site Wikipédia, como também consultamos os sites: “Samba & Choro” e “Brazilianmusic.com”.

DEFINIÇÃO DE VISSUNGO

“Os vissungos estão quase desaparecendo. Estão morrendo os poucos que sabiam. Os moços que aprenderam por necessidade ou por curiosidade vão se esquecendo.’ – assim já nos alertava Aires da Mata Machado Filho, por volta de 1938, quando terminava o manuscrito de seu estudo intitulado ‘ O negro e o garimpo em Minas Gerais.”

Camila Diniz

Os Vissungos são segundo a poeta e pesquisadora Sônia Queiroz:

“(...)cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração”, foram identificados pelo pesquisador Aires da Mata Machado Filho em 1928 nos povoados de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, no município de Diamantina, em Minas Gerais.”

E aprofunda a definição:

“Entre 1939 e 1940, Aires publicou em capítulos, na importante Revista do Arquivo Municipal, de São Paulo, o resultado de sua pesquisa sobre esses cantos de tradição banto: 65 cantigas, com “letra, música e tradução, ou antes fundamento’”, além de dois glossários da “língua banguela” – um deles extraído dos cantos e o outro, do linguajar local; e ainda 8 capítulos de estudo sobre a cultura afro-brasileira no contexto do trabalho da mineração de diamantes. A primeira edição em livro saiu em 1943 pela José Olympio, na coleção Documentos Brasileiros, ao lado de títulos da maior relevância, como os clássicos Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre. Outra marca do prestígio dessa edição: conforme nota no verso da folha de rosto, “foram tirados, fora do comércio, vinte exemplares em papel Vergé, numerados e assinados pelo autor”. A segunda edição foi publicada pela também prestigiosa Civilização Brasileira, em 1964. Em 1985, a Itatiaia, a mais antiga editora mineira, publicou com a edusp, na coleção Reconquista do Brasil, uma edição que (agora sem a parceria da edusp) ainda se encontra no mercado.”

E como o filólogo Aires da Mata Machado Filho classificava os Vissungos?

“Segundo Aires da Mata Machado Filho, “dividem-se os vissungos em boiado, que é o solo, tirado pelo mestre sem acompanhamento nenhum, e o dobrado, que é a resposta dos outros em coro, às vezes com acompanhamento de ruídos feitos com os próprios instrumentos usados na tarefa”. No capítulo 9, os vissungos foram agrupados em: padre-nossos, cantos da manhã (ou: ao nascer do dia), canto do meio- dia, cantigas de multa, cantigas de caminho, cantigas de rede e de caminho, pedindo licença para cantar, gabando qualidades (talvez equivalente
banto do oriki da tradição iorubá), cantos de negro enfeitiçado, cantiga de ninar, canto do companheiro manhoso e, ainda, um grupo de cantigas diversas.”

Há uma conotação religiosa nos Vissungos?

“Alguns vissungos “parecem cantos religiosos adaptados à ocasião”, talvez pelo esquecimento de seu significado original, observa o pesquisador. Mas outros conservam seu sentido místico-religioso: “Há cantigas especiais para conduzir defuntos a cemitérios distantes” (das quais ele recolheu três exemplos) e há cantigas, como os padrenossos, usadas na mineração e também nas cerimônias de levantamento do mastro, nas festas religiosas.”

É um vissungo mineiro uma forma de ‘work song’ parecida com o ‘spirituals’ e o blues negro americano? De uma certa maneira sim, como podemos ver no estudo da poeta e pesquisadora Sônia Queiroz:

“No capítulo 8, dedicado ao estudo das cantigas, Aires ressalta “a necessidade universal de trabalhar cantando”. E associa à prática dos negros de São João da Chapada e Quartel do Indaiá os cantos das colheitas de uvas em Portugal, das fiandeiras, dos capinadores de roça e dos mutirões. “Muito interessante era a multa. Quando alguma pessoa chegava à lavra, era logo multada pelos mineradores, com uma cantiga apropriada”: pediam alguma coisa ao recém-chegado. “Uma vez satisfeito o pedido, seguia-se à multa o agradecimento com danças, ritmo de carumbés e enxadas”.

E qual a relação da sambista carioca Clementina de Jesus com os Vissungos?

“Com o desenvolvimento das tecnologias de gravação sonora na segunda metade do século XX, catorze dos 65 vissungos escritos pelo Prof. Aires foram gravados, em 1982, nas vozes de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme, no LP O canto dos escravos, da Eldorado. Nessa gravação, hoje disponível em CD, percebe-se uma leitura nagô-iorubá dos cantos de tradição banto. Segundo o musicólogo José Jorge de Carvalho, em Um panorama da música afro-brasileira, “a base rítmica escolhida não repetiu o padrão rítmico original, mas usou um tipo de ritmos binários generalizados de umbanda, tais como o barravento, que ouvimos em casas de umbanda, macumba e jurema por todo o país”. Cerca de quinze anos depois, em Minas Gerais, o músico Gil Amâncio e
o poeta e músico Ricardo Aleixo incluíram um desses catorze vissungos no espetáculo e CD Quilombos urbanos: Muriquinho piquinino, o canto 62 do livro de Aires. Também na releitura dos Quilombos urbanos, os tambores não choram como pede o coro, mas se aceleram num ritmo que deságua no carnavalesco de Maracangalha, canção que se segue ao vissungo, em pot-pourri, na mesma faixa do CD.”

Através da argumentação de Sônia Queiroz percebemos o quanto é difícil resgatar gêneros musicais quase esquecidos.

E atualmente há algum grupo musical que trabalhe parte desse repertório cultural e musical?

“Ao final da década de 90, a Associação Cultural Cachuera! gravou, na voz de Ivo Silvério da Rocha, contramestre do Catopê de Milho Verde (distrito do Serro), três “cantos para carregar defuntos em redes”, que constituem a primeira faixa do CD Congado Mineiro, lançado pela Itaú Cultural, na série Documentos Sonoros Brasileiros. Juntamente com as gravações que constituem as faixas 12 a 17 do CD Festa do Rosário – Serro, lançado por Caxi Rajão em 2002, esses são os únicos registros sonoros dos Catopês de Milho Verde, grupo que mantém vivos ainda hoje, em seu repertório ritual, alguns desses cantos da tradição banto.”

E qual a importância do catopê do Milho Verde?

“Dentre os membros do catopê de Milho Verde, a pesquisadora Lúcia Valéria Nascimento, que investigou a sobrevivência dos vissungos na região de Diamantina e Serrro no início do século XXI, identificou, além do contramestre, outro cantador proficiente: Antônio Crispim Verísssimo, que demonstrava ainda algum conhecimento ativo da “língua banguela” ou “língua d’Angola”, como a designavam os falantes à época dos registros feitos por Aires da Mata Machado Filho. É notável a força do canto e da dança na preservação do patrimônio lingüístico e cultural. Em outras palavras: desaparecido o ritual dos funerais feitos a pé e o trabalho coletivo, as festas religiosas de cronograma fixo especialmente a festa de N. S. do Rosário) passam a desempenhar um papel essencial na preservação dos cantos de tradição africana em Minas.”

E há algum interesse atual na preservação desse patrimônio histórico?

“O interesse na preservação desse patrimônio histórico e cultural brasileiro e o reconhecimento do papel relevante da Arte nesse processo têm levado alguns artistas e pesquisadores a desenvolver estratégias de valorização e revitalização das línguas e culturas africanas que foram vivas em Minas no período da mineração, reduzindo-se a vestígios esparsos a partir sobretudo do século XX. O Festival de Inverno da UFMG tem se constituído num espaço de experiências poéticas transculturais que contemplam a cultura afro-brasileira: em 2002, reuniram-se em Diamantina os dois cantadores de vissungos do Serro e o grupo Tambolelê, de Belo Horizonte – constituído por músicos negros que trabalham com a poética afro-brasileira – numa proposta de criação coletiva integrando tradição e experimentação, que resultou no espetáculo Macuco Canengue, apresentado no adro da igreja do Rosário, em Diamantina; e no documentário de mesmo título, produzido pelo antropólogo e videomaker Pedro Guimarães, e mostrado ao grande público em Belo Horizonte, no Centro Cultural Tambolelê e na sala Humberto Mauro, no Palácio das Artes, e no largo da igreja do Rosário, no encerramento do 4º Encontro Cultural de Milho Verde, distrito do Serro; em 2004, foi realizada uma oficina de transcriação de vissungos, articulada a outra, de Etnomusicologia, com a participação dos dois cantadores de Milho Verde e de estudantes angolanos falantes de quimbundo e umbundo – línguas banto faladas em Angola que estão na base desses cantos afro-brasileiros; em 2008, nos 40 anos do Festival de Inverno da UFMG, os vissungos foram tema da instalação montada pelo Núcleo Avançado de Criação Intermidiático, que reuniu profissionais das cinco artes envolvidas.”

A DIMENSÃO LINGUÍSTICA DOS VISSUNGOS

Os Vissungos são cânticos filiados a tradição lingüística bantófone.E sobre essa tradição a etnolingüista Yeda Pessoa de Castro diz:

“Nos anos 70, porém, inicia-se uma nova fase nos estudos afro-brasileiros com a redescoberta da importância do mundo banto e de suas recriações no Brasil, então revelados através da descentralização da pesquisa da cidade de Salvador que, na África, foi estendida da região iorubá nagô do Golfo do Benin ao Congo e Angola. Seus resultados foram analisados na tese de doutoramento que defendemos na Universidade Nacional do Zaire em 1976 e recentemente se encontram no livro Falares africanos na Bahia, publicado em 2001, já em segunda tiragem em 2005. Naquele ano, o Centro de Estudos Afro- Orientais da Bahia, através de intercâmbio com a Universidade Nacional do Zaire, inaugura o ensino de línguas do grupo banto no Brasil com o curso de quicongo ministrado pelo professor congolês Nlandu Ntotila. Em 1980, e por dez anos, esse curso ficou sob a responsabilidade docente de um de seus alunos, Tata Raimundo Pires, que era membro da comunidade religiosa de tradição congo-angola. Atualmente esse curso é oferecido pelo ACBANTU, entidade afro-baiana dedicada aos estudos das tradições do mundo banto no Brasil.”

Qual a dimensão demográfica da tradição bantófone? A lingüista afirma:

“Levando em consideração que a língua viva de um povo é o testemunho mais antigo da história desse povo, os dados obtidos no domínio da língua, da religião e das tradições orais no Brasil revelaram a presença banto como a mais antiga e superior em número e em distribuição geográfica no território brasileiro por mais de três séculos consecutivos. Testemunho deste fato é a antroponímia de Palmares no século XVII, Ganga Zumba, Zumbi, Dandara, sua toponímia, Dembo, Macaco, Osengo, Cafuxi, e o vocabulário associado à escravidão, tais como: quilombo, senzala, mocambo, libambo, bangüê,mucama. Ao final desse mesmo século é publicada, em Lisboa, A arte da língua de Angola, uma gramática do quimbundo escrita na Bahia pelo missionário Pedro Dias com a finalidade de fornecer subsídios para a catequese do grande contingente negro-africano que se encontrava naquela cidade sem falar português. No domínio da religião, predominam os vocábulos de origem banto para nomear práticas diferentes de matriz negro-africana e os locais onde se realizam. No Brasil, a mais antiga de que se tem notícia é calundu, registrada no século XVII na poesia satírica de Gregório de Matos e descrita, no século seguinte, em 1728, por Nuno Pereira em O peregrino das Américas. Entre as mais conhecidas estão candomblé, umbanda, catimbó e macumba. Por sua vez, a importância histórica do Reino do Congo se reflete nos autos populares denominados congos e congadas, onde a figura do Manicongo (senhor do Congo) é sempre lembrada em versos como Cabinda velha chegou / e rei do Congo falou. A mesma lembrança se registra para a Rainha Jinga ou Nzinga, do antigo Reino de Matamba, em Angola atual.”

A tradição bantófone influenciou de alguma maneira a cultura brasileira?

“A antigüidade dessa presença favorecida pelo número superior do elemento banto na composição demográfica do Brasil colonial, tanto quanto por sua concentração em zonas rurais, isoladas e naturalmente conservadoras, onde o recurso de liberdade era a fuga para os quilombos, foram importantes fatores de ordem sócio-histórica que tornaram a participação banto tão extensa e penetrante na configuração da cultura e da língua representativas do Brasil que aportes de matriz banto, como o samba e a capoeira, terminaram integrados ao patrimônio nacional como símbolos de brasilidade.”

E quais seriam os exemplos de sobrevivência bantófone na nossa cultura?

“Ainda hoje há registro de falares isolados em comunidades rurais, provavelmente vestígios de antigos quilombos, que preservam um sistema lexical banto, a exemplo da linguagem do Cafundó em São Paulo (cf. Vogt e Fry, 1996), do negro da costa em Tabatinga, Minas Gerais (cf. Queiroz, 1998) e nos vissungos recolhidos por Aires da Mata Machado Filho em São João da Chapada e mais recentemente por Lúcia Nascimento no município de Serro, também em Minas Gerais (cf. Machado Filho, 1964; Nascimento, 2002). Importante notar que se trata de falares de base portuguesa lexicalizados por línguas do grupo banto, assinalando-se, no entanto, a evidência de lexemas da zona lingüística R, na classificação de Guthrie, onde o umbundo, falado em Benguela, no Centro-Sul de Angola, é majoritário.”

E para a etnolinguista Yeda Pessoa de Castro o que representa os vissungos?

“os vissungos são identificados pelos seus falantes como língua banguela. Em seu vocabulário predominam substantivos prefixados pela vogal o-, um antigo demonstrativo que os bantuístas chamam de aumento, entre eles, o umbundo onjo, casa, mas que ocorre com o termo quimbundo njo na conhecida brincadeira infantil brasileira dos escravos de jó (os escravos domésticos) que jogavam caxangá (cf. Pessoa de Castro, 2007). A própria denominação vissungo corresponde ao substantivo umbundo ovisungo, plural de ocisungo, que significa louvores e ocorre geralmente na expressão imba ovisungo, cantar, louvar, exaltar (cf. Daniel, 2002, s/v.).”

E como a etnolinguista entende o processo de influência dos falares africanos na língua portuguesa?

“Quanto ao influxo de línguas africanas no português do Brasil, sem dúvida, a parte dos falares de base banto foi a mais significativa no processo de configuração das diferenças que afastaram o português do Brasil da sua matriz falada em Portugal. À medida que a profundeza sincrônica revela uma antiguidade diacrônica, essa influência torna-se mais evidente pelo grande número de palavras do banto completamente integradas ao sistema lingüístico do português e de derivados portugueses formados de uma mesma raiz banto por meio de prefixos ou sufixos, tais como em nleeke, menino, jovem, que derivou em moleque,e depois amolecar, molequinho, molecote. Em outros casos, o lexema banto chega a substituir completamente a palavra portuguesa
equivalente, como caçula por benjamim,corcunda por giba, moringa por bilha, marimbondo por vespa, cochilar por dormitar, bunda por traseiro.”

E como ela vê o processo de “iorubacentrização” dos estudos negros brasileiros?

“Sendo assim, embora seja verdadeiro que esse processo de africanização se deva em grande parte à extensão e ocupação territorial, densidade demográfica e antiguidade do povo banto em território colonial brasileiro, não se deve chegar ao extremo de querer “bantuizar” o Brasil como forma de contrapor o “iorubacentrismo” que tem prevalecido nos estudos afro-brasileiros. Uma correta interpretação das culturas negro-africanas, de seus códigos, seu conseqüente resgate do âmbito meramente folclórico ou lúdico, sua valorização e adequada difusão permitirão que o avanço do entendimento da parte do legado banto para a formação e sentido do Brasil passe a ser visível e explícito, revertendo os estereótipos vigentes em nossa academia. Além do mais, o estudo lingüístico desses falares afro-brasileiros, apoiado pelas informações históricas existentes sobre o período do tráfico transatlântico, trazem subsídios importantes para a configuração do mapa etnolingüístico africano do Brasil. Aqui está a prova do que nos dizem os vissungos sobre a presença dos ovimbundos, povo originário de territórios do antigo reino de Benguela, em terras de Minas Gerais.”

BREVE PANORAMA DA OBRA DE CLEMENTINA DE JESUS

A sambista carioca Clementina de Jesus nasceu em Valença em 7 de Feveiro de 1901 e morreu em Rio de Janeiro em 1987 aos 86 anos.Também era conhecida como Tina ou Quelé.

Nascida na comunidade do Carambita, bairro da periferia de Valença, no sul do Rio de Janeiro, mudou-se com a família para a capital aos oito anos de idade, radicando-se no bairro de Osvaldo Cruz. Lá acompanhou de perto o surgimento e desenvolvimento da escola de samba Portela, frequentando desde cedo as rodas de samba da região. Em 1940 casou-se e mudou para a Mangueira. Trabalhou como doméstica por mais de 20 anos, até ser "descoberta" pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho em 1963, que a levou para participar do show Rosa de Ouro, que rodou algumas das capitais mais importantes do Brasil e virou disco pela Odeon, incluindo, entre outros, o jongo Benguelê. Devota da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, participava de festas das igrejas da Penha e de São Jorge, cantando canções de romaria. Considerada rainha do partido alto, com seu timbre de voz inconfundível, foi homenageada por Elton Medeiros com o partido Clementina, Cadê Você? e foi cantada por Clara Nunes com o P.C.J, Partido Clementina de Jesus, em 1977, de autoria do compositor da Portela Candeia.

Além deste gênero gravou corimás, jongos, cantos de trabalho etc., recuperando a memória da conexão afro-brasileira. Em 1968, com a produção de Hermínio Bello de Carvalho, registrou o histórico LP Gente da Antiga ao lado de Pixinguinha e João da Baiana. Gravou cinco discos solo (dois com o título Clementina de Jesus,Clementina, Cadê Você? e Marinheiro Só) e fez diversas participações, como nos discos Rosa de Ouro, Cantos de Escravos, Clementina e convidados e Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, em que interpretou a faixa Escravos de Jó. Em 1983 foi homenageada por um espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a participação de Paulinho da Viola, João Nogueira, Elizeth Cardoso e outros nomes do samba.

Rainha Ginga. Quelé. Duas maneiras de chamar Clementina de Jesus, com a imponência do título de realeza e com a corruptela carinhosa de seu nome. Clementina evocava tais sentimentos aparentemente contraditórios. A ternura e o profundo respeito.

A ternura de negra velha sorridente. Todos com quem se envolvia tinham a compulsão de chamá-la Mãe, como a chamavam os músicos do musical Rosa de Ouro. Uma pessoa capaz de interromper um depoimento dado à televisão para discutir sobre o café com a moça que o servia. Um brilho especial nos olhos que cativou desde os mais humildes ao imperador Haile Selassié. Talvez por ter trabalhado tantos anos como empregada doméstica e ter começado a carreira artística aos 63 anos, descoberta pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho, nunca tratava de forma diferente devido à posição social.

O respeito ao peso ancestral de sua voz: uma África que estava diluída em nossa cultura é evocada subitamente na voz e nos cânticos que Clementina aprendeu com sua mãe, filha de escravos. Clementina surgiu como o elo perdido entre a moderna cultura negra brasileira e a África Mãe.

Clementina causou uma fascinação em boa parte da MPB. Artistas tão diferentes como João Bosco, Milton Nascimento e Alceu Valença fizeram questão de registrar sua voz em seus álbuns. Apesar disso Clementina nunca foi um grande sucesso em vendagem de discos. Talvez por ter gravado quase que somente temas folclóricos, ou por sua voz não obedecer aos padrões estéticos tradicionais. O que realmente impressionavaeram suas aparições no palco, onde tinha um contato direto com seu público.

Clementina, mesmo tendo iniciado tardiamente sua vida artística e com uma curta carreira, é sem dúvida uma das mais importantes artistas brasileiras. Faleceu em função de um derrame na Vila Santo André - Inhaúma - Rio de Janeiro, em 19 de julho de 1987 e apesar disso, hoje em dia apenas o disco Clementina e Convidados existe em catálogo.

Discografia:
Discos-solo
• 1966 - Clementina de Jesus (Odeon MOFB 3463)
• 1970 - Clementina, cadê você? (MIS 013)
• 1973 - Marinheiro Só (Odeon SMOFB 3087)
• 1976 - Clementina de Jesus - convidado especial: Carlos Cachaça (EMI-Odeon SMOFB 3899)
• 1979 - Clementina e convidados (EMI-Odeon 064 422846)
Participações
• 1965 - Rosa de Ouro - Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3430)
• 1967 - Rosa de Ouro nº 2 - Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3494)
• 1968 - Gente da Antiga - Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Baiana (Odeon MOFB 3527)
• 1968 - Mudando de Conversa - Cyro Monteiro, Nora Ney, Clementina de Jesus e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3534)
• 1968 - Fala Mangueira! - Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus, Nélson Cavaquinho e Odete Amaral (Odeon MOFB 3568)
Coletâneas
• 1999 - Raízes do Samba - Clementina de Jesus (EMI 522659-2)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não foi objetivo deste estudo substituir a consulta à obra do filólogo Aires da Mata Machado Filho “O Negro e o garimpo em Minas Gerais” nem substituir a escuta do CD “O Canto dos Escravos” de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme da Gravadora Eldorado.Mas ser um convite para que o leitor conheça essas obras e mergulhe na riqueza da contribuição musical e linguistica do povo negro brasileiro.

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