segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A REVOLTA LUDDITA



A REVOLTA LUDDITA

Este artigo pretende analisar o Movimento Luddita que ocorreu na Inglaterra nas primeiras décadas do século XIX.O movimento foi organizado pelos operários ingleses, revoltados por terem sido expulsos do campo, onde tinham pequenas propriedades rurais e passaram a adotar técnicas radicais de sabotagem de máquinas ou até de destruição do maquinário fabril e têxtil, no que resultou numa dura reação por parte do governo inglês: vários operários foram enforcados por quebrarem máquinas. Ou seja, o capitalismo urbano-industrial nascente mostrava a todos os cidadãos precarizados das urbes quem era mais importante para ele: a máquina, o lucro, o bem-estar do patrão.

O operário não era importante. Sua subjetividade, seus sonhos, desejos não contava. O
que contava era que ele acordasse cedo com escuro e chegasse tarde em casa.
Dormisse no máximo cinco horas por noite apenas para recuperar as forças físicas, para no dia seguinte voltar a um trabalho estafante, num ambiente sujo, empoeirado, úmido, escuro, sufocante. No início da industrialização da produção urbana e fabril, os fabricantes obrigavam os pais até a trazerem os filhos para as fábricas. E além das constantes mutilações nas máquinas por parte dos adultos cansados e mal alimentados, as crianças também foram vítimas de mutilações além de castigos corporais dados pelos capatazes das fábricas. Ou seja, todo esse contexto foi gerando um espírito de revolta na classe operária inglesa da época. E os operários passaram a fazer a coisa mais lógica: destruir o maquinário que os oprimia.

A historiografia burguesa ou marxista mostra os revoltosos ludditas como um movimento
desorganizado e espontaneísta. Mas a historiografia de orientação anarquista, como a
obra "Os destruidores de Máquinas: In Memorian" de Cristian Ferrer, editada pelo selo
anarquista Imprensa Marginal ( Caixa Postal 665 Cep 01059-970 Sp -Sp -
imprensa_marginal@yahoo.com.br) revela dados impressionantes sobre o tipo de
estratégias utilizadas pelos operários daquela época. A organização não era rígida nem burocrática, mas era extremamente eficiente e solidária.

Várias vezes a polícia inglesa tentou cooptar a classe operária oferecendo recompensas para quem delatasse os líderes revoltosos. As pessoas iam à delegacia, faziam delações falsas, recolhiam o dinheiro e iam para outra delegacia pagar a fiança de líderes presos. Ou seja, demonstrando o grau de consciência de classe e consciência política do operariado inglês. Ainda que essa consciência não fosse fruto de uma elaboração intelectual muito sólida ou respaldada num saber livresco. Muito pelo contrário, a classe operária inglesa não era muito escolarizada até pelo fato de terem vindo da zona rural onde o acesso à escola era muito difícil. O que prova que o chamado "povão" só é otário quando quer. Ou seja, as pessoas de baixo poder aquisitivo, de pouca escolaridade, quando sentem na pele que estão sendo oprimidas e humilhadas pelos poderosos tem a total capacidade de se organizar e botar o opressor para correr.

Mas um dado surpreendente para mim do livro de Christian Ferrer: a maioria desses
revoltosos ingleses eram camponeses da igreja metodista. Ou seja, mostrando que a
religião evangélica inglesa daquela época em nada se parece com a igreja evangélica
brasileira de hoje, totalmente bajuladora dos poderosos.

Os operários ingleses estavam acostumados com uma vida tranquila no campo, onde não
havia luxo, mas todos tinham o de comer e não precisavam pagar aluguel. Pagavam
apenas uma parte do que produziam para o dono do feudo. Ser expulso para a cidade
grande, para servir de mão-de-obra quase escrava, morando em bairros péssimos e
tendo que trabalhar o tempo todo, foi uma experiência traumática para esses ingleses
pobres. Porque no feudalismo os camponeses trabalhavam poucas horas por dia,
dependendo da sazonalidade das safras, indo dormir quando o dia escurecia enquanto na
cidade grande as pessoas acordavam cedo e não paravam de trabalhar, pois com a
eletrificação urbana o patrão raciocinava que não havia motivo para ir para casa.
É lógico que isso agredia a saúde física e psíquica desses trabalhadores e a solução não foi ficar rezando por dias melhores ou esperando o repouso no céu. Os trabalhadores ingleses partiram para ação e resolveram radicalizar. Identificaram no maquinário uma forma de manutenção de uma sociabilidade nociva, insana. Identificaram no maquinário a simbologia de uma cultura de instrumentalização do ser humano. Ou seja, o ser humano reduzido a sua dimensão mais utilitária. E toda vez que um operário perdia um braço ou um dedo no maquinário e era sumariamente demitido sem nenhum direito ou indenização, ficava claro para a classe operária inglesa como os patrões os encaravam: como coisas e não como gente. Ou seja, como força de trabalho, como algo que dá lucro ou prejuízo e nada mais.

Ou seja, num sistema social brutal e odioso como esse, só havia uma forma de impedi-lo de perpetuar-se: destruindo o maquinário têxtil que o reproduzia. Destruir a máquina era um gesto de recusa a uma vida absurda e alienada. Ou seja, o que os operários queriam eram se apropriar de suas vidas. Ter o total controle sobre ela. É lógico que a reação dos patrões, do governo e da polícia foi brutal: quem eram esses "caipiras", esses analfabetos que ousam se rebelar contra nossa tirania? Vamos enforcar todos os líderes desse movimento.

O movimento luddita foi esmagado pela classe dominante e suas técnicas assassinas,
mas por outro lado foi vitorioso, porque obrigou o governo inglês a conceder alguns
direitos à classe operária. Como, aliás, sempre o Estado capitalista faz: para não perder tudo e produzir uma situação incontrolável de convulsão social, os gestores públicos acabam fazendo pequenas concessões ao povo. E é nisso que a classe dominada pode acabar sendo enfraquecida por acomodação, passividade e por uma falsa ilusão de que participa da sociedade de consumo quando o seu poder de compra aumenta, ainda que
de forma insignificante. Contudo, os ludditas mostraram para os patrões que os
trabalhadores não são os "carneirinhos" dóceis e mansos que eles incentivam com toda
uma indústria da passividade. Mostraram que a qualquer momento o germe da revolta
pode se espalhar novamente.






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