terça-feira, 18 de setembro de 2012

O QUE O POVO DE TERREIRO DISSE À DILMA


A CARTA DO POVO DE TERREIROS À DILMA CANDIDATA


“Se apetece ao PT/ter poder”
Tom Zé em “Jardim da Política” no ano de 1985

Este texto pretende analisar a Carta do Povo Tradicional de Terreiros endereçada a ainda candidata Dilma Russeff, datada de 18 de Outubro de 2010, Brasília.

No começo da carta o enunciador avisa que a carta é fruto de consulta a lideranças nacionais do Povo Tradicional de Terreiros e que o objetivo da mesma é expressar o sentimento dominante do Povo Tradicional de Terreiro, ainda que o enunciador reconheça que a mesma não seja um consenso.

O enunciador diz:

“Inegavelmente sua candidatura à presidência da República é o que
há de mais seguro para o Povo Tradicional de Terreiro.”

Embora o texto não cite, talvez o enunciador estivesse se referindo indiretamente à candidatura da evangélica Marina Silva.

No terceiro parágrafo o enunciador situa o Povo Tradicional de Terreiro em relação à candidatura de Dilma Russeff:

“Nosso Povo de Terreiro efetivamente se movimentou no primeiro turno a seu favor, mas sem receber nenhum apóio oficial dos comitês responsáveis por sua campanha; em poucas cidades especialmente nas capitais, esse processo se deu de forma diferenciada, mas o que predominou foram situação como a de Manaus, o material de divulgação voltado a População Negra só chegou as mãos das lideranças de Terreiro três dias antes da votação, um completo e total descaso para conosco.”

E a partir da alfinetada nos organizadores da campanha da então candidata do Partido dos Trabalhadores, o enunciador revela a baixa auto-estima histórica da população negra do Brasil.

O enunciador compara o uso midiático que a campanha fez junto ao segmento católico e evangélico e ao segmento do Povo Tradicional de Terreiros:

“Vimos com muita preocupação que nos últimos dias um esforço concentrado de sua coordenação de campanha, em mudar a imagem negativa forjada junto aos cristãos católicos e, principalmente, evangélicos. Também observamos com pesar que durante toda a campanha do primeiro turno os seus encontros com as comunidades evangélicas e católicas ganharam grande espaço junto à mídia.

Se o mesmo tipo de encontro se deu junto ao Povo de Terreiro no primeiro turno ou agora no segundo, isso se fez de forma muito tímida, sem nenhuma divulgação ou destaque. É corrente o pensamento de que um encontro da senhora conosco lhe tiraria votos de evangélicos radicais.”

O enunciador emite o seu parecer sobre um encontro apenas com lideranças evangélicas da então candidata:

“O seu recente encontro com pastores evangélicos no nosso entendimento foi um infeliz episódio. Com toda a certeza seu compromisso com o grupo lhe renderá votos, mas com toda a certeza lhe fez perder muitos votos do Povo Tradicional de Terreiro, do Movimento LGBT católicos e a sociedade em geral por conta de ter sido um encontro com apenas e tão somente com evangélicos.”

Assim, o Enunciador situa o Povo Tradicional de Terreiros com outro segmento populacional também discriminado na nossa cultura: os LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros).

E o enunciador conclui o resultado lógico de tal estratégia da direção da campanha da candidata Dilma Russeff:

“O resultado de tal iniciativa foi um significativo e crescente número de manifestações via internet conclamando a população a votar em branco ou no seu opositor. Manifestações essas que respeitamos enquanto direito de livre manifestação, mas não concordamos.”

O enunciador emite o seu parecer sobre o conceito de Estado Laico:

“Acreditamos na sua proposta de um Estado laico. Temos presente pelo seu histórico pessoal e político que, se eleita, a senhora se empenhará na execução dessa demanda social.”

O enunciador emite o seu parecer sobre a inclinação de Dilma a ceder sob a pressão dos setores evangélicos em relação à questão do Aborto e da Parceria Civil entre pessoas do mesmo sexo:

“A partir do momento em que a candidata assinalou pactuar com o pensamento dos pastores evangélicos, em questões altamente delicadas como o aborto e a parceria civil, nos preocupa o empoderamento que seu ato proporcionou as religiões hebraico-cristãs especialmente o seguimento neopetencostal, em detrimento das demais religiões.”

O enunciador emite o seu parecer sobre os mecanismos mafiosos do segmento evangélico:

“Em todo o Brasil é tido como fato concreto que os religiosos evangélicos jogaram a eleição presidencial para o segundo turno, que a candidata do governo, já considerada eleita, teve que se curvar diante do poder e ditames dos pastores evangélicos para poder garantir a eleição. Pelo que até o momento pudemos vir de sua conduta pessoal esse deve ter sido um momento extremamente difícil na sua história de vida.”

E o enunciador esmiúça um pouco mais a forma de atuação da máfia evangélica:

“Admitimos que o grupo evangélico está cumprindo, muitíssimo bem, o objetivo de chegar ao poder; estão organizados social e politicamente, os currais eleitorais garantem o voto de cabresto em nome de Jesus e das penas do inferno para quem não seguir as diretrizes dos pastores. A significativa bancada federal de evangélicos no Congresso Nacional lhe obriga a dialogar politicamente com o grupo como um todo, a fazer concessões e a pactuar.

As caminhadas, marchas e encontros com milhares de fiéis evangélicos são manifestações incontestes de força e poder. Força e poder conquistado com substancial ajuda dos governos passados e atuais. A prova maior disso é que a cada dia surgem denúncias e mais denúncias junto aos Tribunais de Contas de Municípios, Estado e União de repasse de verbas, convênios e parcerias de governos municipais, estaduais e federal com o seguimento evangélico que não foram cumpridos e ou foram usados de forma indevida, criminosa até.”

O enunciador fala do potencial eleitoral do Povo Tradicional de Terreiro:

“Em contra posição qual é o potencial de voto do Povo de Terreiro?

Com certeza somos milhões, mas não dispomos da mesma estrutura que dispõem os evangélicos. Não nos foi possível criar hegemonia por conta do preconceito e racismo institucional. Foi graças ao Governo Lula que o Povo Tradicional de Terreiro passou a ser tratado com alguma distinção, mas as ações estruturantes do governo federal ainda não chegaram até nós como deviam. A grande maioria ficou fora, não consegue escrever projetos na linguagem oficial do governo, faltou investimento na capacitação de nosso Povo.”

Dessa forma, o enunciador reconhece a precariedade do Protagonismo político do Povo Tradicional de Terreiros.E o que é pior atribui ao Estado à culpa por essa pobreza política no sentido que fala a obra de Pedro Demo.

O enunciador emite o seu parecer sobre um possível impasse eleitoral para o Povo Tradicional de Terreiros:

“Todo esse quadro acima descrito aumentou nossa apreensão e dificultou a busca de votos no meio do Povo Tradicional de Terreiro, temos ouvido argumentos de que em sendo a senhora eleita, isso decerto, alavancará o prestígio dos evangélicos junto a população bem como junto ao próprio governo. O que para as demais religiões restantes seria extremamente danoso, haja vista o processo de intolerância vigente no país.

Há poucos dias da eleição entendemos que seria difícil articular uma única reunião da Senhora com lideranças religiosas nacionais do Povo Tradicional de Terreiro; entendemos que nesse momento precisamos lhe blindar. Qualquer movimento poderá ser mal interpretado.”

O enunciador faz um balanço da chamada “Era PT” para a população negra brasileira:

“Nosso apóio a sua candidatura é fato concreto, acreditamos que a Senhora é a melhor opção de continuidade das ações afirmativas do governo federal que deram a População Negra o que lhe foi secularmente negado desde a chegada do primeiro negro escravo ao Brasil, entre as que mais se destacam está a criação da SEPPIR, a Saúde Integral da População Negra, a Lei 10.639 e o polêmico Estatuto da Igualdade Racial que não é o que nós quereríamos, mas que é um ponto de partida para novas conquistas.”

O enunciador da carta propõe uma plataforma caso a candidata seja a eleita:

“Como estamos tratando de Política que reflete o desejo do Coletivo há alguns aspectos que precisam ser pactuados entre o Povo Tradicional de Terreiro e seu futuro governo.

Com base em tudo o que acima destacamos queremos pactuar com a Senhora o que abaixo segue:

1 – Após as eleições, onde a senhora com a ajuda dos Vòdún’s, Nkices, Òrisá’s, Encantados, Caboclos, Catiços e Exús será vitoriosa, um encontro dos representantes nacionais do Povo Tradicional de Terreiro e a presidente eleita.

2 – Que seja firmado o pacto interreligioso e a presidente eleita de uma maior ênfase na proposta da promoção do Estado laico e do tratamento equânime às religiões como um todo.

3 – A realização da Primeira Conferência Nacional da Equanimidade Religiosa com ampla participação dos vários segmentos religiosos existentes no país.

4 – Encaminhar ao Congresso Nacional o Plano Nacional Contra a Intolerância Religiosa

5 – A continuidade, ampliação e Efetivação do mapeamento do Povo Tradicional de Terreiro no âmbito dos Estados, de forma censitária, identificando as matrizes culturais.

6 – A revisão do Estatuto da Igualdade Racial onde seja ouvida a População Negra e suas demandas.”

Nessa altura da análise começamos a perceber o que é valorizado pelo Povo Tradicional de Terreiros a saber: interreligiosidade, laicidade, equanimidade religiosa e combate a intolerância religiosa, ou seja, tudo aquilo que o Pastor Silas Malafaia odeia. Além disso os signatários da carta parecem não terem receio político nenhum do povo negro ser mapeado e rastreado pelo Estado.

A carta teve vários signatários.Entre eles citaríamos o primeiro que deve ser do culto da nação Djedje: Dr. Alberto Jorge Rodrigues da Silva - Vodunsi Re Rohsovi - Que é responsável pela Coordenação Amazônica da Religião de Matriz Africana e Ameríndia – Carma e também representante da Federação Nacional da Religião de Matriz Afro-brasileira – FENAREMA.

Mas também não poderíamos deixar de destacar que, entre números representantes de diversos segmentos afro-brasileiros, a carta contou com o apoio do Sindicato dos Psicólogos do Amazonas e da Federação Nacional dos Psicólogos (entidade filiada à CUT).Sendo assim tal apoio funciona como uma espécie de legitimação científica aos credos afro-brasileiros, algo como dissesse que ir para macumba faz bem a mente.

Quais são os problemas que identificamos nessa carta? Vamos a eles.O que fica patente é que o Povo Tradicional de Terreiros sempre foi subserviente à Política, ao Estado burguês.E basta lembrar nos tempos da ditadura militar no Ceará, a relação promíscua de pais de santo umbandistas com a Luiza Távora(do finado PDS) uma relação de subserviêcia política sem dúvida.Como se o povo de santo não pudesse caminhar com as próprias pernas e precisasse dos favores clientelistas dos políticos, criando uma relação de dependência totalmente nociva.

Se o povo de santo fosse realmente organizado deveria lutar não por se integrar a lógica da máquina governamental, mas de prescindir da mesma.

“Povo organizado, luta sem partido e vive sem estado”

Diz a palavra de ordem anarquista.E eu concordo com isso.

Como esperar um verdadeiro protagonismo político enquanto se espera por tutelas governamentais? Será a população negra tão eternamente coitadinha e vitimizada a depender sempre dos favores do sistema governamental? Não poderá nunca essa mesma população lutar com suas próprias forças?

Entretanto, reconheço que se vivemos num sistema capitalista mediado por taxas e pagamentos de impostos compulsórios, temos de saber o que acontece com o erário público. E saber que esse erário pode parar nas mãos da máfia evangélica é realmente preocupante.E nisso me solidarizo com os signatários da carta.

Mas é extremamente incômoda essa grau de expectativa e ansiedade em relação ao PT.E eu vou explicar por que, embora eu seja um pouco suspeito porque eu já fui filiado a esse partido e fiz parte do grupo político Democracia Socialista, da qual a Prefeita de Fortaleza Luiziane Lins fez ou faz parte (digo isso porque como me afastei desse grupo, não sei dizer se o mesmo ainda existe com esse nome e seguindo o paradigma do mandelismo ou se o grupo se reconfigurou politicamente ou se fundiu a outras correntes do PT, realmente não sei informar isso).O que sei informar é que já em 2000 rompi com o PT porque queria algo mais radical e fui parar no campo da chamada esquerda não-oficial.Se o meu nome ainda estiver oficialmente nos arquivos do partido não sei dizer, já que não me importei nem em rasgar a ficha de filiação partidária.Simplesmente me afastei e pronto.

Nós anarquistas temos um parecer contrário à Política institucional, pois como diziam os ativistas da Internacional Situacionista no Maio Francês: “Política é subalternidade.Escolher política é estupidez!”. Desse modo, o anarquista é livre para não comparecer no dia da eleição ou votar nulo. Mas pode dependendo da conjuntura escolher votar num candidato menos ruim e vou explicar quando isso aconteceu e o motivo.

Num dos pleitos eleitorais franceses, havia uma grande probabilidade de ser eleito o representante da extrema direita, Jospein. Assim, alguns anarquistas franceses que já conheciam os horrores das prisões francesas , resolveram votar no candidato da esquerda burguesa da época.

Sendo assim, devo confessar que depois que me tornei anarquista nunca mais fiz campanha para nenhum candidato, mas só votei nulo no primeiro turno da primeira eleição vitoriosa de Lula.De lá para cá tem sempre havido no pleito presidencial ou no pleito municipal uma polarização entre a extrema direita e a esquerda burguesa.Como tenho receio de um “facho” (fascista) no poder, seja ele Geraldo Alckmin ou Moroni Torgan, acabo mesmo sem fazer campanha, votando na candidatura da esquerda burguesa.Desse modo, em 2004 eu votei em Luiziane Lins e voltei a votar nela novamente em 2008.Pois temia ver a cidade governada por um xerife evangélico e homofóbico, que tem na fetichização da questão da segurança pública o seu carro chefe ideológico-partidário.

Em 2010, eu votei mas não fiz campanha para Dilma Rosseff e cheguei até a falar nisso para os meus decepcionados amigos anarco-punks.Não me agradava de jeito nenhum ver um José Serra, ligado aos setores mais conservadores e reacionários do momento, governando o país e prendendo ou criminalizando barbaramente ativistas anarquistas.Ainda que essas criminalizações também ocorram dentro da denominada “Era PT” só que sem a mesma intensidade.Além disso, o tal do José Serra contou com o apoio do mega empresário evangélico, Silas Malafaia.Sim, o conhecido Malafaia que gosta de humilhar homossexuais e outras minorias sexuais identitárias nas suas pregações midiáticas com tom zangado e histérico.

Não posso exigir do Povo Tradicional de Terreiros uma guinada anti-estatista ou anticapitalista radical. Já que a maioria dos líderes desse segmento populacional se vêem como prestadores de serviços religiosos e não como lideranças comunitárias.Se houvesse uma consciência da inegável dimensão política de um Ilê, de um Nzo ou de um Terreiro eu poderia esperar mais coisa, mas como essas pessoas se vêm apenas como empresas concorrentes no nem sempre civilizado mercado religioso (conferir a obra do sociólogo Reginaldo Prandi),é de se esperar isso mesmo: uma vontade danada de ser tutelado seja lá por quem for, seja um governo de direita ou de esquerda.

Embora os signatários da carta usem a categoria ‘empoderamento’, o que menos acontece na prática é isso.Ocorre justamente o contrário: cada vez mais a sociedade civil desempoderada e o Estado e as instituições burguesas cada vez mais poderosas.

Eu poderia aprofundar um pouco mais o que penso da chamada “Era PT” iniciada em 2002 e continuada em 2011 por Dilma Russeff.Mas vou só dar umas pinceladas.Desde 2002 que não espero muito coisa do Partido dos Trabalhadores e isso ficou muito claro quando o Lula fez aliança com Edir Macedo e sua empresa Universal e teve como vice um burguês da marca do José Alencar.Naquele momento para mim ficou selado os rumos burgueses do PT, que como diz a música do Tom Zé sempre quis poder seja ao lado de quem fosse.

O PT no poder beneficiou os banqueiros e penalizou o funcionalismo público federal. O PT no poder tem o T de Transgênico, já que o paradigma agrícola do Partido é a segurança alimentar a qualquer custo, ainda que signifique um custo ambiental.O PT no poder não combateu o “agro-business” e nem a prática da monocultura – visivelmente responsáveis pelo envenenamento e empobrecimento dos solos.O PT no poder tem uma enorme simpatia por mega-projetos estruturantes que podem penalizar vilas de pescadores, aldeias quilombolas, povos indígenas, comunidades ribeirinhas como a Transposição do Rio São Francisco, as Hidrovias, as Hidroelétricas, as Siderúrgicas, as Refinarias e principalmente o poluidor Pré-Sal, a menina dos olhos do governo Dilma Russeff.

Eu poderia continuar a lista, mas aí fugiria um pouco do tema e cansaria o leitor que já entendeu claramente onde quero chegar

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