terça-feira, 25 de setembro de 2012

GLEUDSON PASSOS CARDOSO E A PADARIA ESPIRITUAL

Este texto é uma resenha do livro "Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso" de autoria do historiador Gleudson Passos Cardoso, faz parte da Coleção Outras Histórias editada pelo Museu do Ceará e Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará. Gleudson Passos Cardoso, nascido em Fortaleza, graduado em História pela UFC e mestre em História Social pela PUC-SP, é professor de História da Unifor e do Projeto Magister/UFC. Membro atuante da Sociedade de Belas Letras & Artes Academia da Incerteza. É poeta, tendo se especializado na arte do soneto. Autor do livro "Fraya Zamargad: Sonetos de Amor e Melancolia". O livro "Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso" é uma espécie de resumo de sua dissertação de mestrado cujo título é "As Repúblicas das Letras Cearenses: Literatura, Imprensa e Política (1873-1904)". A obra traça um panorama do contexto peculiar da Fortaleza do Séc.XIX que gerou a singular confraria de escritores da Padaria Espiritual. A Padaria Espiritual foi um grupo eclético em atuações e tendências literárias. Liderada pelo escritor Antônio Sales, tinha como principal propósito alfinetar a burguesia ignara. Gleudson Passos revela no primeiro capítulo a constituição dos grêmios literários que antecederam os escritores do Jornal "O Pão". A Academia Francesa, segundo o autor, em muito difere do grupo de Antônio Sales. Enquanto Rocha Lima, Capistrano de Abreu, Araripe Júnior e outros surgiram para combater a Igreja Católica, nas páginas do órgão maçônico "Fraternidade", como estandartes da sociedade industrial-civilizatória, entendido como culto ao progresso, a tecnologia e a ciência; o grupo dos padeiros, por sua vez, revestia-se de certo saudosismo em relação a uma cidade que perdia seus encantos brejeiros e assumia terríveis ares de metrópole. O autor informa que enquanto outras agremiações como o Centro Literário e a Academia Cearense procuravam disseminar a ideologia do progresso, seja relacionada ao regime republicano ou ao conhecimento científico-tecnológico, a Padaria Espiritual optou por interpretar a realidade nacional de acordo com a realidade popular que compunha a nação brasileira. Isso se traduz numa certa aversão aos estrangeirismos, tão comuns à moda e ao "mundanismo" que os produtos fabricados nos países industrializados trouxeram aos centros comerciais e áreas de influência mais recônditas. Desse modo, o historiador identifica alguns traços de teor nacionalista. Entretanto, a Padaria Espiritual não era um grupo homogêneo. Gleudson Passos comunica que as posturas variavam bastante. Na paleta dos "forneiros" podiam-se perceber desde as cores alegres da filosofia do progresso com Antônio Sales e Álvaro Martins até os tons escuros do pessimismo satânico e a descrença na civilização industrial com Lívio Barreto, Lopes Filho e Cabral de Alencar. Com base nisso, o historiador pinça trechos de crônicas em Antônio Sales e o republicano exaltado Álvaro Martins revelam a crença de que a normalização dos espaços p[públicos e a correção de comportamentos transgressores à ordem urbana contribuiriam para o progresso, o bem-estar social e a moralidade. Por outro lado, membros do grupo como Adolfo Caminha identificava nos regeneradores da ordem sócio-urbana (médicos, higienistas, urbanistas, engenheiros), nas classes urbanas emergentes e nas facções políticas oligárquicas, os agentes de imposição de uma violenta disciplina urbana, a reproduzir o consumismo selvagem, bem como concentrar poder político com mandonismo, violência física e atos ilícitos, nepóticos e clientelistas. No segundo capítulo, Gleudson Passos compõe o painel da formação da Padaria Espiritual. Segundo o autor o grupo era formado por rapazes oriundos dos setores médios e baixos da cidade e do interior. Eram, portanto, funcionários da alfândega, caixeiros, escritores menores, sem filiação com as facções político-oligárquicas e buscavam ascensão pública e social. No terceiro capítulo o historiador recupera a importância do fundador do grupo, Antônio Sales. Gleudson Passos mostra em que medida a atuação publicitária do autor de "Trovas do Norte" projetou o grupo não só no Ceará, como nos grandes centros. Antônio Sales enviava o "Programa de Instalação" para vários escritores do eixo Rio - São Paulo e pedia colaboradores para o Jornal "O Pão" em todo o país. Com esta estratégia a Padaria Espiritual passou a ser referência de literatura feita no Ceará. No quarto capítulo, Gleudson Passos mergulha nos meandros da chamada "literatura menor" do Ceará, isto é, feita por apreciadores da estética simbolista. Assim, os padeiros "nephelibatas" beberam nas fontes de Baudelaire, Verlaine, Antero de Quental e Antônio Nobre. O autor entende que o trabalho de Lopes Filho, Lívio Barreto e Cabral de Alencar está calcado no estilo dionisíaco, herdeiro do barroco e, sobretudo do romantismo, em que deram-se por rebelar contra as estratégias de controle simbólico, como a crença ortodoxa na ciência, no progresso técnico-industrial e na democracia liberal. No último e breve capítulo, o autor procura estabelecer uma relação nem sempre amigável entre os escritores e a imprensa local. Padaria Espiritual: Biscoito fino e travoso é uma obra curta (93 páginas) e bem urdida, feita com apuro e lucidez crítica. O texto de Gleudson Passos é saboroso e fluido. O autor não faz crítica literária e nem é esse o objetivo de um historiador, mas procura investigar em que medida o literário pode ser uma porta de acesso a um tempo esquecido.

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