quarta-feira, 19 de setembro de 2012

COMO O DESTINO É ENCARADO PELA CIÊNCIA, PELA FILOSOFIA, PELA CULTURA IORUBÁ E PELA ASTROLOGIA BABILÔNICA






“DESTINO (gr. £ÍLIAPLIÉVR|; lat. Fatum; in. Destiny,
fr. Destin; ai. Geschick, Schicksal; it. Destino).
Ação necessitante que a ordem do mundo
exerce sobre cada um de seus seres singulares.
Na sua formulação tradicional, esse conceito
implica: Iª necessidade, quase sempre desconhecida
e por isso cega, que domina cada
indivíduo do mundo enquanto parte da ordem
total; 2ª adaptação perfeita de cada indivíduo
ao seu lugar, ao seu papel ou à sua
função no mundo, visto que, como engrenagem
da ordem total, cada ser efeito para aquilo
que faz.
0 conceito de D. é antiquíssimo e bastante
difundido, porque compartilhado por todas as
filosofias que, de algum modo, admitem uma
ordem necessária do mundo. Aqui só faremos
alusão às que designam explicitamente essa
ordem com o termo em questão. O D. é noção
dominante na filosofia estóica. Crisipo, Posidônio,
Zenão, Boeto o reconheceram como a
"causa necessária" de tudo ou a "razão" pela
qual o mundo é dirigido. Identificavam-no com
a providência (DiÓG. L., VII, 149). Os estóicos
latinos retomam essa noção e apontam seus reflexos
morais (SÊNECA, Natur. quaest., II, 36, 45;
MARCO AURÉLIO, Memórias, IX, 15). Segundo
Plotino, ao D. que domina todas as coisas exteriores
só escapa a alma que toma como guia
"a razão pura e impassível que lhe pertence de
pleno direito", que haure em si, e não no exterior,
o princípio de sua própria ação (Enn., III,
1,9). Para Plotino, a providência é uma só: nas
coisas inferiores chama-se D.; nas superiores,
providência {ibid., III, 3, 5). De modo análogo,
para Boécio (que com a Consolação da filosofia
transmitia esses problemas à Escolástica latina),
D. e providência só se distinguem porque
a providência é a ordem do mundo vista pela
inteligência divina e o D. é essa mesma ordem
desdobrada no tempo. Mas no fundo a ordem
do D. depende da providência (Phil. cons., IV,
6,10). O livre-arbítrio humano subtrai-se da providência
e do D. só porque as ações a que dá
origem se incluem, exatamente em sua liberdade,
na ordem do D. (Ibid., V, 6). Essa solução
deveria inspirar todas as soluções análogas da
Escolástica, que conserva o mesmo conceito
de D. e de providência (cf., p. ex., S. TOMÁS, S.
Th., I, q. 116, a. 2). Em sua Teodicéia, Leibniz
repropunha a mesma solução (Théod., I, § 62).
Na filosofia do Romantismo, enquanto Schopenhauer
considera o D. como ação determinante,
no homem e na história, da Vontade
de vida na sua natureza dilacerante e dolorosa
(Die Welt, II, cap. 38), Hegel limita o D. à necessidade
mecânica. "À potência", diz ele,
"como universalidade objetiva e violência contra
o objeto, dá-se o nome de D.: conceito que
se inclui no mecanicismo porquanto o D. é
chamado de cego, ou seja, sua universalidade
objetiva não é conhecida pelo sujeito em sua
propriedade ou particularidade específica"
(WissenschqftderLogik, III, II, 1, B, b; trad. it.,
III, p. 199). Nesse sentido, o D. é a própria necessidade
racional do mundo, mas enquanto
ignorante de si mesma e, portanto, "cega". Mas
durante esse mesmo período, do ponto de vista
de necessidade "puramente racional", tanto
interpretada como dialética, quanto como determinismo
causal, a palavra D. começou a parecer
fantástica ou mítica demais para designar
essa necessidade. Foi então abandonada e
substituída por termos que exprimem a natureza
objetiva e causal da necessidade, como p.
ex. necessidade, dialética, determinismo, causalidade;
no domínio da ciência, é regida pelas
"leis eternas e imutáveis da natureza".
Quando a palavra D. volta, em Nietzsche e
no existencialismo alemão, tem novo significado:
exprime a aceitação e a voliçâo da necessidade,
o amorfati. Nietzsche foi o primeiro a
expressar esse conceito tão característico de
certa tendência da filosofia contemporânea. Ele
interpreta a necessidade do devir cósmico
como vontade de reafirmação: desde a eternidade
o mundo aceita-se e quer-se a si mesmo,
por isso repete-se eternamente. Mas o homem
deve fazer algo mais que aceitar esse pensamento:
deve ele próprio prometer-se ao anel
dos anéis: "É preciso fazer o voto do retorno de
si mesmo com o anel da eterna bênção de si e
da eterna afirmação de si; é preciso atingir a
vontade de querer retrospectivamente tudo
o que aconteceu, de querer para a frente tudo
o que acontecerá" (Wille zurMacht, ed. 1901,
§ 385). Esse é o amorfati, no qual Nietzsche vê
a "fórmula da grandeza do homem". Heidegger
não fez senão exprimir o mesmo conceito ao
falar do D. como decisão autêntica do homem.
D. é a decisão de retornar a si mesmo, de transmitir-
se a si mesmo e de assumir a herança das
possibilidades passadas. "A repetição é a transmissão
explícita, ou seja, o retorno a possibilidades
do ser-aí que já foram" (Seín und Zeit,
§ 74). Nesse sentido, o D. é "a historicidade
autêntica": consiste em escolher o que já foi
escolhido, em projetar o que já foi projetado,
em reapresentar para o futuro possibilidades
que já foram apresentadas. É, em outros termos,
a vontade da repetição, o reconhecimento
e a aceitação da necessidade. Esse conceito
volta em Jaspers, que, no entanto, expressa-o
com referência à identidade estabelecida entre
o eu e sua situação no mundo. O D. é a aceitação
dessa identidade: "Amo-o como me amo
porque só nele estou cônscio de meu existir".
Aqui também o D. nada mais é que a aceitação
e o reconhecimento da própria natureza da
necessidade, que, para Jaspers, é a identidade do
homem com sua situação (Phil, II, p. 218 ss.).
Essa última noção de D. exprime bem certas
tendências da filosofia contemporânea. Na origem
de sua longa tradição, essa noção implicava:
l9 uma ordem total que age sobre o indivíduo,
determinando-o; 2- o indivíduo não se
apercebe necessariamente da ordem total nem
de sua força necessitante: o D. é cego. O conceito
contemporâneo eliminou ambas as características.
Para ele: ls a determinação necessitante
não é a de uma ordem (nem mesmo
para Nietzsche), mas a de uma situação, a repetição;
e 2S o D. não é cego porque é o reconhecimento
e a aceitação deliberada da situação
necessitante.”

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. - 5ª edição – Tradução: Ivone Castilho Benedetti – São Paulo: Martins Fontes, 2007.



Este estudo é muito complexo porque pretende dar conta do problema conceitual do ‘Destino’ nas ciências, na Filosofia, na sabedoria dos povos iorubanos da África e na sabedoria dos inúmeros povos que desenvolveram a Astrologia (dos mesopotâmicos aos gregos em particular). E isso pode tornar o texto extremamente denso ao tentar articular conceituações tão díspares: ora antagônicas (como no caso do confronto entre a Astronomia moderna e a Astrologia babilônica antiga) e ora complementares – como no caso dos saberes enunciados por babalawos iorubanos africanos e os saberes astrológicos. Esse é o risco que corremos e então vamos a eles.

Este estudo surgiu por acaso quando lia a obra “Astrologia do Destino” da psicoterapeuta junguiana e astróloga Liz Greene – 10 ª edição – Tradução: Carmen Youssef – São Paulo: Cultrix Pensamento, 1995.

Quando li a exaustiva introdução, tive um insight de produzir um estudo filosófico e epistemológico sobre a questão do Destino.

A principal pergunta de Liz Greene é: “Somos predestinados ou livres?”E é com essa pergunta que iremos nortear toda a nossa investigação através dos diversos campos do saber oficial e não oficial citados.

Para não ficar inteiramente à mercê das especulações da psicoterapeuta junguiana e astróloga, checamos o parecer contrário às pretensões astrológicas enunciado pelo astrônomo Carlos Alexandre Wuensche no dossiê de seis páginas da Revista Ciência Hoje intitulado Astronomia versus Astrologia – v.43, Nº. 256, 2009.

Para a autora de “Saturno: un nuevo enfoque de un viejo diablo” (Ediciones Obelisco) o Destino é a moira, como entendida pelos gregos antigos. E a autora salienta que o filósofo ateu, Bertrand Russell, considera o fatalismo e seus inevitáveis ramos criativos – as artes mânticas ou divinatórias – como uma nódoa produzida por Pitágoras e Platão sobre o pensamento puro e racional, uma mancha que ofuscou o brilho da construção, não fosse isso, da mente clássica grega.

O conceito de moira pressupõe um cosmo ordenado, interligado e as astrologia por sua vez seria produto deste tipo de cosmo. Porém tal concepção é refutada pela filosofia moderna representada por Bertrand Russell.

A teologia cristã medieval renegou o conceito de moira. Pois para a escolástica Destino é coisa pagã. Moira, como a Deusa do destino, representava para essa teologia um insulto a supremacia divina. O argumento teológico trocou a Deusa do Destino, a Moira, pela Providência Divina. Os calvinistas, por sua vez, acreditavam na salvação predestinada aos eleitos.

Os mais científicos preferem à Moira, ao Destino, o conceito de ‘lei natural’. Entretanto, lei natural na concepção de Anaximandro e da escola jônica - que Bertrand Russell simpatiza - é elevada à condição de divindade.

A moira é uma força moral, ninguém precisa fingir, contudo, que ela é exclusivamente benévola, ou que tivesse alguma consideração por interesses paroquianos ou pelos anseios do gênero humano. Os gregos não lhe atribuíam nenhum mérito de previsão, desígnio ou finalidade, pois esses méritos pertencem aos seres humanos e supostamente aos deuses humanizados.

Moira é a força cega e automática que permite que seus propósitos secundários e desejos ajam livremente dentro de suas próprias e legítimas esferas, porém reage com certa turbulência contra eles quando atravessam suas fronteiras.

Anaximandro e seus companheiros imaginavam o universo como que dividido, dentro de um plano geral, em províncias compartimentadas ou esferas de poder. O universo era originalmente uma massa primária e indiferenciada; quando os quatro elementos surgiram eles receberam seu quinhão não de uma deusa personificada, mas do eterno movimento no interior do cosmo, o que era considerado não menos divino.

A psicologia inventou também uma terminologia mais atraente para lidar com a questão do Destino. Ela fala da predisposição hereditária, de padrões de condicionamento, de complexos e de arquétipos.


COSMO OU UNIVERSO?

“Na astrologia, o ser humano pensa que o firmamento foi feito para ele”.
Friedrich Nietzsche em “Humano, Demasiado Humano”.

Uma boa pergunta que podemos fazer para nos situar em relação à conceituação de Destino é saber: onde estamos?

Estamos num cosmos ou num universo? O cosmos é assunto das religiões, o universo é assunto das ciências. Cosmos pressupõe um conjunto ordenado, interligado e criado por uma potência fora dele. Universo pressupõe um todo indiferente à experiência humana e sem intencionalidade transcendente.

O Cosmos é transcendente, o universo é imanente. A ciência estuda o funcionamento do espaço, a religião estuda como ir para o Céu.

Eu particularmente fui ateu, mas atualmente eu sou o que se poderia chamar na fraseologia eliadeana de sacralista. Embora negando a criação do universo ex-nihilo. Para mim o universo se auto-originou de estruturas bem simples (um ponto geométrico que explodiu em algum momento) até chegar em estruturas mais complexas (estrelas, planetas, rochas...). O universo não teve e não tem intencionalidade até hoje. Também não há um Deus pessoal a nos policiar, sondar, controlar, comandar, fiscalizar.Mas há o sagrado, ainda que seja um sagrado naturalizado na physis.

Tentarei explicar minha posição.Embora tendo nascido e se criado no Ocidente, sempre fui descotente com o sistema simbólico judaico-cristão do Deus antropomórfico.Sendo assim, quando nos aprofundamos na concepção do extremo oriente de Deus ou no aspecto não-antropomórfico do conceito de Òludumaré do território iorubá na África ocidental , ou seja, Deus como a realidade suprema, o imponderável, o inefável; cujo conceito de Brahman procura ser uma definição aproximada no hinduísmo.Deus como totalidade de tudo o que existe no universo e todos os seus componentes (SENNA, Ronaldo.TITA- SOUZA, Maria José de. A Remissão de Lúcifer: O resgate e a ressignificação em diferentes contextos afro-brasileiros – Editora – UEFS – 2002)...aí nesse caso, eu passo a acreditar em Deus, mas só nesse caso.Só nessa acepção.



Desse modo, como não somos policiados por um suposto Deus pessoal a nos bisbilhotar de sua prefeitura nos confins do Universo, então penso que somos (o deveríamos ser) inteiramente livres para escolher o que bem entendêssemos nas nossas vidas.

Sou um sacralista porque eu dou atenção aos babalaôs e a sua forma particular de entender a noção de Destino. Vamos a ela, portanto.

ODU, O DESTINO NA CULTURA AFRICANA

Segundo o sociólogo Reginaldo Prandi no seu “Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira” – 2ª edição – São Paulo: Cosac Naify, 2005 – o tradicional povo ioruba acreditava que tudo na vida se repete. Assim, o que acontece e acontecerá na vida de alguém já aconteceu muito antes à outra pessoa. Saber as histórias já acontecidas, as histórias do passado, significava para eles saber o que vai acontecer na vida daqueles que vivem o presente.

Então qual o fundamento de se procurar um babalaô e consultar o jogo de búzios? Segundo Ronilda Yakemi Ribeiro em seu “Alma Africana no Brasil: os iorubas” - São Paulo: Editora Oduduwa, 1996. Cada ser criado escolhe livremente o “Ori” e o “Odu” – signo regente de seu destino. Desse modo, o babalaô, o olhador do búzio, poderá dizer qual o odu do indivíduo que está consultando.

A narrativa mítica diz que Oxalá e Ajalá são entidades modeladoras dos ‘oris’. Ajalá, embora notável em sua habilidade, não é muito responsável, e por isso, muitas vezes modela cabeças defeituosas: pode esquecer de colocar alguns acabamentos ou detalhes necessários, como pode, ao levá-las ao forno para queimar, deixá-las por tempo demasiado ou insuficiente. Tais cabeças tornam-se assim potencialmente fracas, incapazes de empreender a longa jornada para a terra, sem prejuízos. Se, desafortunadamente, um homem escolhe uma dessas cabeças mal modeladas, estará destinado a fracassar na vida. Durante sua jornada para a terra, a cabeça que permaneceu por tempo insuficiente ou demasiado no forno, poderá não resistir à ação de uma chuva forte e chegará mais danificada ainda. Todo o esforço empreendido para obter sucesso na vida terrena terá grande parte de seus efeitos desviada para reparar tais estragos. Pelo contrário, um homem tem a sorte de escolher uma das cabeças realmente boas, tornar-se-á próspero e bem sucedido na terra, uma vez que sua cabeça chega intacta e seus esforços redundam em construção real de tudo aquilo que se proponha a realizar.

Assim a consulta aos búzios é basicamente para saber sobre nossa cabeça (ori) ou a cabeça de outrem. Pode um homem conhecer as potencialidades da própria cabeça ou de outrem? A resposta do livro de Ronilda Yakemi Ribeiro vem em forma de outra narrativa mítica. Ao atravessar o portal que conduz do céu a terra, o porteiro do céu ( Onibode Orun) pede ao homem que declare seu destino. Este é então selado e, embora a lembrança disso no homem se apague, Ori retém integralmente a memória de tudo. Baseado nesse conhecimento guia seus passos na terra. Segundo o mito, a única testemunha desse encontro entre Onibode Orun e Ori é Orumilá, uma das divindades primordiais. Por isso Orumilá conhece todos os destinos humanos e procura ajudar os homens a trilhar seus verdadeiros caminhos. Nos momentos de crise, a consulta ao oráculo de Ifá permite acesso a instruções a respeito dos procedimentos desejáveis, sendo considerados bons procedimentos os que não entram em desacordo com os propósitos do ori.

O destino ou Ipin ori – sina do ori – pode sofrer alterações em decorrência de pessoas más chamadas omo araye – filhos do mundo, também chamadas aye – o mundo ou ainda, elenini – implacáveis (amargos, sádicos, inexoráveis) inimigos das pessoas. Entre estes se encontram as aje – bruxas, ou os oso – feiticeiros, os envenenadores e todos aqueles que se dedicam a práticas malignas com o intuito de estragar qualquer oportunidade de sucesso humano.

O destino também pode ser afetado, de modo adverso, pelo caráter da própria pessoa. Um bom destino deve ser sustentado por um bom caráter. Este é como uma divindade: se bem cultuado concede sua proteção. Assim, o destino humano pode ser arruinado pela ação do homem.

E como é o mecanismo do oráculo de Ifá? O recurso divinatório de Ifá, associado ao culto de Orumilá, é o mais desenvolvido dos sistemas divinatórios iorubás. Fazendo uso do obi de quatro partes, do opele, de areia, água, búzios, ikin, etc. Ao ser feita a consulta ao oráculo de Ifá, a queda dos dezesseis frutos de palmeira chamados ikin ou do opele, a corrente divinatória, define determinada configuração. De 16 figuras básicas e 256 derivadas chamadas Odu, decorrem 4096 variantes possíveis, cada qual com seu nome. A cada configuração corresponde uma série de parábolas, significativamente coincidentes (sincrônicas) com a circunstância existencial do consulente. A conduta do(s) herói(s) da parábola sugere o procedimento adequado para a superação da crise e realização do próprio destino.

Reginaldo Prandi, no seu “Segredos Guardados: orixás na alma brasileira” – São Paulo: Companhia das Letras, 2005 – nos informa que Na África Tradicional Iorubá, dias depois do nascimento da criança iorubá, ocorre a cerimônia na qual se dá o nome ao nascido, quando o babalaô consulta o oráculo para desvendar a origem da criança. É quando se descobre, por exemplo, se ela é um ente querido renascido. Os nomes iorubas sempre designam a origem mítica da pessoa, que pode se referir ao orixá pessoal, geralmente o da família, determinado patrilinearmente, ou à condição em que se deu o nascimento, tipo de gestação e parto, sua posição na sequência dos irmãos, quando se trata, por exemplo, daquele que nasce depois dos gêmeos, a própria condição de ‘abicu’ e assim por diante. A partir do momento em que se dá um nome à criança, desencadeia-se uma sucessão de ritos de passagem associados não só aos papéis sociais, como a entrada na idade adulta e o casamento, mas também à própria construção da pessoa, que se dá através da integração, em diversos momentos da vida, dos múltiplos componentes do espírito. Com a morte, os ritos são refeitos, agora com intenção de liberar essas unidades espirituais, de modo a levar cada uma ao destino certo, restituindo, assim, o equilíbrio rompido com a morte.

O DESTINO NA ASTROLOGIA E NA ASTRONOMIA

“ Há alguma evidência científica de que os astros podem revelar aspectos ocultos de nossa personalidade ou influenciar nosso comportamento, cotidiano e destino? A astrologia pode ser considerada uma ciência, no sentido moderno dessa palavra? É possível testar, sob condições controladas, as previsões feitas por horóscopos e mapas astrais? Se sim, o que dizem os resultados desses experimentos?”

Carlos Alexandre Wuensche

“O ato de olhar o céu e buscar simbolismos e associações é algo intrínseco ao ser humano e ocorre há milênios. Essa busca vem do tempo em que pouco se conhecia sobre o comportamento da natureza e no qual o animismo era uma tentativa de compreender e domesticar o desconhecido. Muitas culturas antigas têm registros sistemáticos da esfera celeste que remontam a dois mil anos antes da era cristã. Desde essa época, padrões de repetição de movimento e agrupamento de astros já eram conhecidos, levando à separação entre estrelas e planetas (‘astros errantes’) – na época, eram conhecidos apenas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. A ideia de constelações também surgiu naturalmente, sendo que a idealização do que era ‘visto’ no agrupamento de estrelas sempre sofreu uma forte influência da mitologia local. Porém, ainda hoje, um fato acontece com vários de nós, astrônomos profissionais ou amadores: basta comentar sobre nossa profissão ou interesse pelos céus e rapidamente vem a pergunta: “E se eu te disser que sou Sagitário com ascendente em Touro? “É surpreendente que, mesmo neste início de século, um número enorme de pessoas ainda leva a sério uma crença que remonta a mais de dois milênios: a de que os astros influenciam o cotidiano, o comportamento e o destino das pessoas.”

Desse modo, o astrônomo responsável pela Coordenação de Ciências Espaciais e Atmosféricas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais inicia o seu Dossiê “Astronomia versus Astrologia”.

Astronomia e astrologia são palavras derivadas do grego. Nessa língua, astron significa ‘estrela’ e o sufixo 'nomos' (escrito, em português, como ‘nomia’), ‘regra’ ou ‘lei’. A astronomia é a ciência que trata da constituição, posição relativa, movimento e, mais recentemente, dos processos físicos que ocorrem nos astros (neste último caso, sendo denominada astrofísica, cujo nascimento se deu no século 19). Por sua vez, a astrologia aglutina astron e logos (em português, ‘logia’), que significa ‘palavra’ e que pode ser entendido como ‘estudo’ ou ‘disciplina’. De forma geral, a astrologia trata do estudo da influência dos astros, especialmente dos signos do zodíaco, no destino e no comportamento humano. Os fundamentos da astrologia foram estabelecidos pelos babilônios, por volta de 1500 a.C. A origem comum da astronomia e da astrologia remonta a essa época e, apesar de ambas se basearem no estudo dos astros, suas versões modernas são inteiramente distintas.

A astrologia baseia suas previsões no movimento relativo dos planetas do sistema solar, não fazendo uso da informação trazida pela radiação eletromagnética (ondas de rádio, infravermelho, luz visível, raios X etc.) emitida por eles. Praticantes e estudiosos da astrologia consideram-na uma linguagem simbólica, forma de arte, adivinhação ou até ciência, com capacidade de prever o futuro ou aspectos ocultos da personalidade. Os astrólogos defendem sua área de estudo com base na ideia de que a ciência moderna não entende o que eles dizem e que, mesmo sob teste, a astrologia será sempre avaliada segundo os paradigmas científicos, desconsiderando outras formas de testes e de pensamento.

São características básicas da astronomia, ser baseada em leis conhecidas da física, sendo que os resultados obtidos com base nessas leis deverão ser os mesmos para qualquer pessoa que conheça os métodos empregados no experimento, bem como as leis em questão. O estudo de astros distantes também é feito com base na radiação eletromagnética emitida por esses corpos celestes, incluindo ondas de rádio, micro-ondas, ultravioleta, raios X e raios gama. Isso permite não só a reconstrução dos processos físicos que produzem essa radiação, mas também o estudo da estrutura e do estado evolutivo do astro.

Críticos da astrologia – incluindo a própria comunidade científica –, consideram-na uma forma de pseudociência ou superstição, devido à sua incapacidade de demonstrar o que afirma, o que até agora tem sido corroborado em grande número de estudos científicos controlados. Por sua vez, astrólogos contestam testes propostos pela ciência para validar a astrologia nesse sentido. E, quando não se recusam a participar deles, rejeitam seus resultados, apesar de estes serem baseados em testes estatísticos e em leis da natureza amplamente validadas.

Portanto, como a astrologia não se enquadra no paradigma do que é entendido como ciência, ela perde o direito de reivindicar esse status quando lhe é conveniente.


Breve histórico

A observação e nomenclatura dos céus, adotadas até hoje pela civilização ocidental, remontam aos babilônios, egípcios, gregos e romanos. Pode-se dizer que a primeira grande sistematização do estudo dos céus com fins astrológicos está em Tetrabiblos, texto escrito pelo astrônomo greco-egípcio Claudius Ptolomeu, que viveu no século 2 a.C.. Essa obra, dividida em quatro livros, sistematiza e propõe explicações para o modelo geocêntrico (aquele em que a Terra é o centro do universo), defendendo-o com hipóteses que duraram cerca de 1,5 mil anos – vale ressaltar que o modelo geocêntrico é a base do princípio astrológico.

Tetrabiblos é também um tratado de astrologia, talvez o mais importante da Antiguidade. Seu ‘Livro I’ afirma que as influências dos corpos celestes são inteiramente físicas e, nos ‘Livros III’ e ‘IV’, descreve como os céus interferem nas atividades humanas (embora Ptolomeu não tenha apresentado a matemática necessária para elaborar horóscopos, desenvolvida por seus antecessores). A contrapartida astronômica de Tetrabiblos é Almagesto, também de Ptolomeu, um grande tratado sobre astronomia com 13 livros.

Na Idade Média, com sua atmosfera de intensa religiosidade, a possibilidade de fazer e verificar previsões baseadas nos astros era questionada. O padre e filósofo católico Aurélio Agostinho (354-430) – mais conhecido como Santo Agostinho – levantou o famoso problema do “fatalismo astrológico”, um arrazoado no qual argumentava que, “se o futuro já estava previsto por Deus, ou pela influência previsível dos movimentos planetários, para todos, como poderiam ser livres os humanos”? A resposta, dada por ele mesmo, apontava para a “sugestão, mas não obrigação”, de que seguir as estrelas e as orações ajuda a resistir aos desvios...

Nessa época, eram conhecidos três tipos de astrologia, descritos pelo filósofo francês Nicolas Oresme (1320-1382), crítico da astrologia e astrônomo ‘mecanicista’ da corte de Carlos V: i) a astrologia matemática (ou astronomia); ii) astrologia natural (relacionada com a física); iii) a astrologia espiritual (ligada à previsão do futuro e à elaboração de horóscopos). Na Idade Média, portanto, já era feita uma diferenciação entre a astronomia e a astrologia.

Até o final do Renascimento, a astrologia foi uma atividade essencialmente acadêmica, exercida inclusive por médicos. Por uma questão de justiça, deve ser sempre mencionado que o dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), o alemão Johannes Kepler (1571-1630) e o italiano Galileu Galilei (1564-1642), além de cientistas (no sentido moderno do termo), foram também competentes astrólogos nos sentidos ‘i’ e ‘ii’ do parágrafo anterior. Kepler, porém, foi um crítico ferrenho da astrologia divinatória.

No século 17, o interesse acadêmico pelo prognóstico astrológico transferiu-se para a nova medicina e para a meteorologia, e, nessa época, a astrologia saiu da academia, estimulando novamente o aparecimento do tipo de astrólogo usualmente conhecido na Antiguidade, mais dedicado às práticas divinatórias. Em linhas gerais, esse é o quadro que permanece até os dias de hoje.

Qual é a probabilidade de que 1/12 da população da Terra esteja tendo o mesmo tipo de dia? Mesmo levando em conta todos os detalhes astrológicos (ascendentes, quadraturas, oposições etc.), os horóscopos deveriam apresentar alguma semelhança, pois o signo ‘solar’ é a principal referência. Uma simples divisão mostra que, nesse caso, as mesmas previsões seriam, ainda que superficialmente, adequadas a cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, todos os dias!

Estavam errados os horóscopos feitos antes das descobertas de Urano, Netuno e Plutão, ocorridas em 1781, 1846 e 1930, respectivamente? Deveríamos refazer esses horóscopos? Além disso, existe uma associação entre nomes de planetas, personalidades mitológicas e características astrológicas, portanto há que se pensar agora como nomear e incluir a influência dos mais de 300 planetas extrassolares descobertos desde 1995.

E quais objetos celestes devem ou não ser incluídos nas previsões? O astrônomo francês Jean-Claude Pecker lembra que os astrólogos parecem ter uma visão bastante curta, por limitarem sua atividade ao nosso sistema solar. Bilhões de corpos em todos os confins do universo poderiam somar a sua influência àquela proporcionada pelo Sol, pela Lua e pelos planetas. Será que uma pessoa cujo horóscopo omite os efeitos do pulsar do Caranguejo e de Andrômeda realmente recebe uma interpretação completa?

A distância até esses objetos é importante? Para a astrologia, parece que não. Por exemplo, mesmo que Saturno seja importante para caracterizar um mapa astral (e esteja fisicamente o mais próximo possível da Terra, em termos de suas órbitas), Marte e Vênus sempre estarão mais perto de nós do que Saturno, independentemente de nossa posição relativa a eles. No entanto, a importância de ambos nas previsões é variável.

Essa discussão conduz a que tipo de força define as interações astrológicas. A força gravitacional está descartada, pois aquela exercida sobre a criança pelo médico que faz um parto é seis vezes maior do que a de Marte. Já a força de maré do médico é aproximadamente dois trilhões de vezes maior que a de Marte. Deveríamos incluir a personalidade do médico no horóscopo, assim como incluímos as características de Marte?

Como as influências astrológicas parecem não depender completamente da distância entre os corpos, isso traz a questão de que tipo de força é essa, não detectada, até agora, por nenhum experimento, em nenhum laboratório, terrestre ou espacial.

Colocando termos astrológicos no contexto astronômico, expressões como “Urano entrou em Aquário...” ou “Plutão ficará 13 anos em Sagitário...” não fazem o menor sentido. Do ponto de vista das constelações, elas não são reais, como um planeta, mas apenas um arranjo de estrelas que nem estão fisicamente próximas, como sua projeção do céu faz parecer. Se o leitor experimentar olhar para o céu em uma noite clara, notará que existem infinitas possibilidades de ‘ligar os pontos’ e imaginar figuras. E foi isso que os antigos fizeram e popularizaram, ao criar as constelações. Elas não estão na mesma posição na eclíptica (plano da órbita da Terra ao redor do Sol) em que foram concebidas há mais de 3 mil anos. E, certamente, não estarão nessa mesma posição relativa, formando o padrão que vemos hoje, daqui a 2 mil anos.

Do ponto de vista simbólico, a mesma associação de estrelas que representa a cauda do ‘Escorpião’, em nosso zodíaco, representa a constelação do Anzol, na mitologia polinésia. Atribuir um determinado significado a um ou outro símbolo implica atribuir interpretações e, em consequência, influências diferentes a um mesmo ‘objeto’. Assim, como explicar que o mesmo ‘objeto’, à mesma distância da Terra, tenha efeitos diferentes, dependendo do símbolo a ele associado? A definição de pseudociência é ampla e pode incluir, além da astrologia, qualquer conjunto de procedimentos e ‘teorias’ que tentem se disfarçar como ciência sem realmente sê-la. A discussão dos limites entre ciência e pseudociência inclui a questão do que é ciência e como defini-la. Entretanto, vale a pena discutir porque devemos nos preocupar com as pseudociências.

Diversas formas de pseudociência nasceram de superstições antigas, assim como vários ramos da ciência ortodoxa. Medicina, química e a própria astronomia são bons exemplos, de modo que suas origens não são o problema. A questão, no caso da astrologia, é saber se suas previsões são verificáveis, dentro dos parâmetros científicos, já que muitas vezes astrólogos vestem suas explicações com termos e jargão científicos, de modo a lhes emprestar maior credibilidade. A inexistência de um mecanismo cientificamente aceito para explicar previsões astrológicas seria irrelevante se, pelo menos estatisticamente, a astrologia fizesse o que ela diz que pode fazer, e esses feitos pudessem ser validados entre seus próprios pares e aceitos, além de uma dúvida razoável, por cientistas.

Pode-se apontar, muitas vezes, que existem explicações mais simples e menos fantasiosas – por vezes, até corriqueiras ou prosaicas – para uma previsão astrológica que tenha se mostrado correta. Além disso, o acerto não garante que a ‘teoria astrológica’ funcione sempre (mesmo porque já foi amplamente mostrado que, estatisticamente, ela não funciona). Também não prova que o método de previsão será reprodutível por outros astrólogos na mesma situação ou em situações semelhantes. Astrônomos devem se pronunciar sempre que a ocasião for adequada para mostrar as falhas da astrologia sob o ponto de vista científico e encorajar um interesse no cosmo real. Um cosmo de astros remotos que são impiedosamente indiferentes às vidas e aos desejos das criaturas da Terra, muito antes dos tempos em que os seres humanos se aconchegavam junto às fogueiras, com medo da noite.

Bem até aqui eu reproduzi de uma certa forma os argumentos do astrônomo Carlos Alexandre Wuensche e tenho que concordar que são argumentos pertinentes e inteligentes.

Mas e o que os astrólogos têm a dizer sobre tudo isso? A psicoterapeuta junguiana e astróloga Liz Greene afirma sobre o Destino:

“ O destino significa: isso estava escrito. É terrível pensar em algo escrito com
tamanha determinação por uma mão totalmente invisível. Esse fato implica não só impotência, como ainda o obscuro mecanismo de alguma enorme e impessoal Roda ou de um Deus bastante ambíguo que tem menos consideração do que gostaríamos para com nossas esperanças, sonhos, desejos, afeições, méritos ou até mesmo pecados. De que valem os esforços da pessoa, seus conflitos morais, seus simples atos de amor e de coragem, seu empenho para o aperfeiçoamento de si próprio, de sua família e de seu mundo, se tudo, no final das contas, é tornado vão pelo que já foi escrito? Temos sido nutridos, nos últimos dois séculos, num pábulo bastante suspeito de autodeterminação racional, e essa visão do destino nos ameaça com uma experiência de desespero real ou de caótica catarse na qual a coluna dorsal do homem ético e moral desmorona. Existe igualmente uma dificuldade com relação à abordagem mais mística do destino, pois ao romper a unidade do corpo e do espírito com a finalidade de buscar refúgio contra os estreitamentos da sorte, a pessoa cria uma dissociação artificial de sua própria lei natural e poderá conjurar no mundo exterior o que está evitando no íntimo.

Entretanto, para a mente grega, como para a mente da Renascença, a visão do
destino não destruiu a dignidade da moralidade ou do espírito humanos. Se algo aconteceu, foi o oposto. O primeiro poeta religioso da Grécia, Hesíodo, diz
simplesmente que o curso da Natureza não é senão indiferente ao certo e ao errado. Ele conclui que há uma definida e simpática relação entre a conduta humana e a lei ordenada da Natureza. Quando um pecado é cometido ― tal como o incesto inconsciente de Édipo ― toda a Natureza é envenenada pelo delito do homem, e Moira revida fazendo recair imediatamente uma grande desgraça sobre a cabeça do transgressor. O destino, para Hesíodo, é o guardião da justiça e da lei, e não a fortuita e predeterminante força que dita cada ação de um homem. Esse guardião fixou os limites da original ordem da Natureza, dentro dos quais o homem deve viver porque é parte desta; e ele aguarda para cobrar a penalidade por cada transgressão. E a morte, visto ser
a declaração definitiva de Moira, o "quinhão" ou o limite circunscrito além do qual os seres mortais não podem transpor, não é uma indignidade, porém uma necessidade que deriva de uma fonte divina”.

O que Liz Greene diz sobre o ceticismo do homem moderno?

“ Eu, no entanto, não acho que tenhamos perdido o medo do destino, apesar de zombarmos dele; pois, se o homem moderno fosse realmente tão esclarecido a ponto de superar esse conceito "pagão", não teria o hábito de ler furtivamente a seção de astrologia no jornal, nem de mostrar compulsão a ridicularizar, sempre que possível, os porta-vozes do destino. Tampouco ficaria tão fascinado pelas profecias, que são as criadas da sorte. As Centúrias de
Nostradamus, essas fantásticas visões do futuro do mundo, jamais deixaram de ser impressas, e cada nova edição vende uma quantidade astronômica de exemplares. Quanto ao ridículo, sou de opinião de que o medo, quando não admitido, disfarça-se muitas vezes de desprezo agressivo, e de tentativas um tanto forçadas para desaprovar ou denegrir a coisa que causa ameaça. Todo quiromante, astrólogo, cartomante ou vidente já se deparou com esta peculiar, mas inequívoca ofensiva dos 'céticos'.”

O que a autora pensa do fenômeno da vidência?

“A astrologia, ao lado do tarô, da quiromancia, da cristalomancia e talvez também do I Ching que agora se estabeleceu firmemente no Ocidente, são os modernos mensageiros da antiga e digna função de vidência. Essa tem sido, desde tempos imemoriais, a arte de interpretar as intenções obscuras e ambíguas dos deuses, embora possamos chamar isso agora de intenções obscuras e ambíguas do inconsciente, e está voltada para a apreensão de kairos, o "momento certo". Jung usou o termo sincronicidade com relação a essas coisas, como um meio de tentar lançar luz sobre o mistério da coincidência significativa ― quer se trate da coincidência de um acontecimento externo aparentemente não relacionado com um sonho ou estado subjetivo, ou de um acontecimento com o esquema de cartas, de planetas, de moedas. Mas seja qual for a linguagem que usemos, a psicológica ou mítica, a religiosa ou "científica", no cerne da adivinhação está o esforço para interpretar o que está sendo ou foi escrito, quer expliquemos esse mistério pelo conceito psicológico de sincronicidade ou pela muito mais antiga crença no destino. ”

Agora mais uma vez nos vem a pergunta: “Somos predestinados ou livres?”Já que nessa altura do estudo, mencionou-se o suposto papel dos deuses na nossa vida.

Liz Greene diz que somos os dois ao mesmo tempo. Mas ela é um pouco suspeita, afinal a obra “Astrologia do Destino” demonstra que ela crê piamente que somos influenciados pelos deuses do zodíaco. Há nas suas páginas todo um determinismo que chega a incomodar. E por isso penso que se formos seguir a trilha de Liz Greene, chegaremos a um universo de pessoas rigidamente controladas por forças desconhecidas. E sendo assim haveria pouca ou nenhuma liberdade nos nossos atos e decisões.

Nessa altura do texto considero pertinente expor a minha compreensão do problema, ainda que seja obrigado a reconhecer que os leitores podem não compartilhar dos mesmos interesses e inclinações que eu.

Vou me colocar esclarecendo como é que um imanentista, ou seja, alguém que nega a criação do universo por um ser, inteligência, policial, ditador, prefeito ou seja, lá o que for, consegue ler livros de astrologia e consegue frequentar ilês de candomblé.

Penso que sou livre para fazer escolhas. Escolhi o sacralismo imanentista como sistema de explicação da realidade. Assim, nego o sistema de explicação da realidade bíblico que afirma ter sido o universo criado em 6 dias apenas. Quando na verdade o universo não foi criado por nada e nem ninguém. Surgiu espontaneamente de um ponto geométrico que explodiu sabe-se lá por que e quando. Ou seja, nego a intencionalidade do universo.Nego a teleologia do universo. O universo é um conglomerado de regularidades(leis) cegas e indiferentes ao homem, suas rezas e pedidos. O mundo natural é indiferente ao homem como se viu na obra do psicanalista Sigmund Freud O Futuro de uma ilusão. E o homem tem a tendência de querer subornar o mundo natural, tentar domesticá-lo e humanizá-lo com rezas, súplicas e, no caso da religião tradicional africana e seus derivados (candomblé), com oferendas cruentas.

Somos livres? É claro que somos, principalmente se não formos bíblicos. Mas não somos sozinhos. Não somos ilhas. Vivemos em comunidade. Às vezes compartilhando valores e crenças comuns com essa comunidade. Outras vezes negando esses valores e crenças, mas sempre num processo de relação e interação.

Quando eu comecei a aprender a ler e passei a devorar os livros que minha mãe professora trazia da escola onde ela ensinava, eu comecei a questionar tudo. E passei a questionar a Igreja católica que minha mãe nos obrigava a freqüentar. Nunca gostei de missa, até hoje. E chegou um momento que eu comuniquei a ela que não faria primeira comunhão e que não mais frequentaria a igreja. E assim foi. Como eu era muito adolescente nessa época e morava no subúrbio, não posso dizer que entrei no ateísmo por convicção intelectual, até porque os livros que minha mãe trazia eram muito tolos e fracos.

No restante do meu adolescimento eu fui tendo contato com livros mais espessos e consistentes. Além disso, o meu ingresso no movimento estudantil secundarista abriu para mim um universo de inquietação intelectual, que só morar no subúrbio não me daria nunca.

No movimento estudantil secundarista eu convivi com religiosos de diversas tendências e principalmente com ateus e materialistas ortodoxos.

Tudo iria bem se eu não tivesse passado por uma estranha fenomenologia a partir de 1993. Eu, criado no ceticismo, comecei a ver um homem dentro do meu quarto tarde da noite e a sair correndo com medo, gritando.

Inicialmente busquei a Psiquiatria e a Psicoterapia, pois estava convencido de que estava realmente ficando louco. Como a medicação e a psicoterapia não funcionaram (e não funcionam muito até hoje) eu busquei estudar as chamadas religiões mediúnicas.

Minha porta de entrada nesse mundo foi pelo catimbó, embora eu nem soubesse que o lugar onde fui parar no meu próprio bairro professava esse tipo de doutrina. Eu pensava que tinha entrado numa casa de umbanda. E tal confusão demonstra o quanto o sacerdote dessa casa era despreparado para lidar com intelectuais.

Depois de um tempo eu me afastei dessa casa, porque eu não via por parte de seus membros e frequentadores interesses intelectualistas.

Aí busquei a Raja-Yoga através da organização Brahma Kumaris. Mas como era num bairro bem elitizado, acabei demorando pouco também. Aproveitei e passei também no mesmo bairro elitizado pela Bahkti-Yoga dos Hare Krsnas.

E a fenomenologia continuava quase toda noite, com ou sem medicação supressiva.
E como era e sou pobre, acabei conhecendo e experimentando um Centro Espírita Kardecista do meu bairro. Lá eu permaneci por 9 anos conflituosos, já que eu tinha uma herança marxista indisfarçável.

E os fenômenos estranhos continuavam me incomodando a noite do mesmo jeito.

Depois, em 2002 finalmente conheci uma casa umbandista decente, a Cabana Luz do Congo (mais conhecida como Pai Didi). Nessa época, O pai Didi ainda era vivo mas já estava bem debilitado e pouco contato tive com ele. Tive longas conversas com o filho dele e administrador do Centro de Umbanda, o seu Júlio.

Mas os fenômenos continuavam...

Foi um processo muito rico ter conhecido essa casa de umbanda. Afinal, ela é praticamente o único centro umbandista a possuir uma biblioteca rica e variada. Passei de 2002 a 2008, lendo boa parte do acervo dessa biblioteca cedido pelo seu Júlio.

Aprendi muita coisa sobre umbanda, quimbanda, esoterismo, mas pouca coisa sobre candomblé.

Em 2008, um amigo anarco-punk me leva numa festa de um ilê de candomblé keto na Regional VI. E lá vejo a diferença entre a liturgia da umbanda, do catimbó e do candomblé keto que esse ilê pratica.


Hoje em dia continuo vendo os vultos e sentindo presenças estranhas no meu quarto mais com menos intensidade.

Ah! Quase ia me esquecendo de que nessa peregrinação religiosa eu também frequentei escolas dominicais pentecostalistas e tradicionalistas. E os fenômenos continuaram do mesmo jeito. Só que nessas igrejas evangélicas eu fui mais com intenções etnográficas e antropológicas e não com intenções devotas ou religiosas. E pelo menos deixei isso claro para eles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ser humano é livre ou deveria ser para fazer escolhas. Os orixás, nkices e voduns não condicionam o ser humano rigidamente. Eles, como são arquétipos, apenas servem de modelos de conduta a ser imitados ou evitados.

Ser filho de Omulu não é uma predestinação rígida e inflexível no meu entender. É apenas um modo como uma cultura ancestral e arcaica resolveu criar um elemento de inspiração. Assim sendo, o orixá não condiciona nem determina rigidamente ninguém, apenas inspira. E inspira só aqueles que estiverem dispostos a ouvir suas prédicas e para tanto se faz necessário consultar o babalaô para sabê-las

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