terça-feira, 15 de outubro de 2013

PALESTRA: O SAGRADO NA PÓS-MODERNIDADE COM CHARLES ODEVAN

domingo, 10 de março de 2013

Roteiros, desvios, fluxos e políticas do corpo : Crítica à exposição Rotas: desvios e outros ciclos

Roteiros, desvios, fluxos e políticas do corpo : Crítica à exposição Rotas: desvios e outros ciclos Autor: Charles Odevan Xavier Resenha crítica da Exposição Rotas: desvios e outros ciclos: Ceará/Piauí/Pará em cartaz até 05 de Maio de 2013 no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura na capital do Ceará. Esta resenha crítica não segue todos os procedimentos canônicos da crítica de arte. Mas para o leitor não ficar desesperado com um possível e previsível impressionismo (há quem diga: o senso comum do achismo); informo que sou um crítico de artes plásticas de respeito, que leu Gombrich e sua volumosa História da Arte. Ou que li coisas mais moderninhas, como Arthur C. Danto ou Michael Archer. Sendo assim sou um crítico de respeito, tá pensando o que? Fiz o dever de casa! O problema dessa minha crítica e o leitor já deve ter percebido desde as primeiras linhas: é que escrevo em primeira pessoa. Ou seja, num ato político e exibido de afirmação do eu. E, além disso, para fugir do cânone esta resenha assumirá em alguns momentos ares etnográficos. Quando, por exemplo, assumo que não sei o nome de algumas obras que irei analisar, porque sou um crítico pobre, sem dinheiro para comprar um tablet (recurso que muito ajudaria a anotar detalhes técnicos das obras analisadas). Sendo assim, só sei os nomes dos artistas que me chamaram a atenção, porque o Dragão do Mar fornece um folder. Mas um folder incompleto. A Exposição coletiva Rotas: desvios e outros ciclos: Ceará/Piauí/Pará teve curadoria de Bitu Cassundé e Marisa Mokarzel. E teve a participação dos seguintes artistas: Armando Queiroz(PA), Berna Reale (PA), Danilo Carvalho (CE/PI), David Cury (PI), Efrain Almeida (CE), Eduardo Frota (CE), Emmanuel Nassar (PA), Herbert Rolim (PI/CE), Karin Ainouz e Marcelo Gomes (CE/PE), Orlando Maneschy (PA), Paula Sampaio (PA) e Priscilla Brasil (MG/PA). O “CHUBBY” MARAVILHOSO DE EFRAIN ALMEIDA Arte contemporânea, assim como dança contemporânea, é estranhamento. Mas para minha adorável surpresa (naquele sábado pós-Dia Internacional da Mulher que visitei a exposição) assim que entro na sala, deparo com a adorável obra O Homem sozinho do cearense Efrain Almeida. Nesta obra vemos uma miniatura de homem obeso nu, esculpido em madeira de iburana, com um másculo cavagnac cheio de pêlos brancos, os braços abertos e um sorriso sacana, como num convite sexual ao espectador ou à espectadora. Eu adorei a obra, porque além de bem esculpida, exibia um gordo másculo, bundudo e de pau grande – ou seja, tudo aquilo que desejo!!! Assim, comecei meu percurso de exposição que ainda revelaria gratas surpresas. Como aliás deveria ser toda exposição de arte contemporânea. Na mesma sala, Efrain Almeida fez umas inscrições na parede com olhos de um homem ou mulher brancos fechados e abertos. Como quem diz: a arte contemporânea depende do olhar do espectador que pode estar aberto para perceber ou para fechar-se às impressões sensoriais e estéticas. Na outra sala, Efrain Almeida esculpiu na madeira de iburana um cachorro pé-duro (que para o leitor que não é do Ceará eu explico o que é isso: sinônimo de vira-lata) e um pássaro em pleno vôo. Eu prontamente estabeleci uma sintaxe entre as duas salas, posto que o artista era o mesmo. Na primeira sala um adorável homem obeso nu e na outra animais não-vestidos. Ou seja, talvez uma evocação ao estado de natureza de Rousseau. AS BOLINHAS ADESIVAS VERMELHAS DE DAVID CURY Noutro pavimento do Museu de Arte Contemporânea, o piauiense David Cury levou 8 dias para montar sua obra: milhares de bolinhas adesivas vermelhas coladas pelas paredes de cima a baixo formando belos desenhos. Se a arte é realidade gráfica na expressão de Ferreira Gullar; David Cury conseguiu executar sua obra com muita virtuose e o resultado plástico foi excelente, ainda que não seja uma arte engajada como eu queria. A PERFORMANCE DO AÇOUGUE DE BERNA REALE Quando desci o pavimento inferior do Museu de Arte Contemporânea deparo-me com o registro em vídeo da performance da paraense Berna Reale. Eu me sentei no banco, como exige a vídeo-arte e pus-me a assistir o impressionante registro da performance da artista. De dentro de um caminhão de frigorífico, cinco açougueiros saem carregando uma haste de ferro onde se encontra pendurada uma mulher nua e com a careca raspada. Os cinco açougueiros saem pelas ruas de Belém do Pará, provocando olhares incrédulos. O impacto da situação me fez dar várias gargalhadas. Aliás os psicanalistas tecem todo um estudo da relação entre riso e nudez, quando o nosso id libera suas pulsões de vida, ainda que sejam observadas por um superego repressor, daí a hilaridade. Se arte contemporânea é estranhamento, Berna Reale conseguiu o efeito pretendido. Fico imaginando o choque das pessoas pelas ruas de Belém do Pará. A despeito de que o corpo feminino nu não desperte mais tanto horror, numa época em que a cultura de massa celebra mulheres semi-nuas até em propaganda de Cerveja. Também me chama a atenção o fato de que o corpo feminino era vivo e não um cadáver, mas havia a simulação de ser um cadáver, já que no vídeo exposto a mulher pouca respirava. As feministas que tentem interpretar aquele mulher nua, de careca raspada e carregada aos solavancos por cinco açougueiros cabra-machos. O GUARDA-ROUPA QUEBRADO DE HERBERT ROLIM Na outra sala, a instalação do piauiense/cearense Herber Rolim produz um efeito muito forte de desolação sobre o espectador. Sobre uma pilha de areia de rio há um guarda-roupa velho quebrado com as gavetas abertas. Mais a frente: objetos de pescas. Próximo ao guarda-roupa velho o artista dispôs um aglomerado de telhas de barro, amarradas de forma a produzir um efeito de decadência. Assim Herbert Rolim remete-nos a estética do restolho, como o poeta do pantanal Manoel de Barros, o qual celebrou coisas sem-valor ou fora de uso em sua poética. A ESTÉTICA DO DESAGRADÁVEL EM ARMANDO QUEIROZ O artista paraense Armando Queiroz exibe em Midas uma curta vídeo-arte; onde um rosto pintado de dourado e uma boca dourada saturados de luz vermelha se abrem revelando uma profusão de pequenos besouros vivos. O efeito é bem desagradável e nojento. Em outra vídeo-arte do paraense um bando de urubus sobrevoa e pousa numa pilha de comida num trapiche. Já em outra, um daqueles homens-estátuas das grandes metrópoles (semi-nu e pintado de prata) come com sofreguidão em um restaurante popular. Ou em outra um rosto saturado de luz azul recita poemas doloridos. O grotesco já foi trabalhado por outros artistas na história da arte e a obra de Armando Queiroz apenas segue uma longa tradição; que vai desde um Hieronimus Bosch (e seus infernos cheios de bichos repelentes) até chegar naquele artista midiático e endinheirado, que embalsama e retalha cadáveres de pessoas indigentes e os expõe nos museus do mundo, gerando protestos. É uma arte feia e desagradável, mas quem disse que arte tem de ser bonitinha e enfeitadinha? O que vale é o gesto e a criatividade. O DOCUMENTÁRIO QUEER A FESTA DA CHIQUITA BACANA DE PRISCILLA BRASIL O documentário A Festa da Chiquita Bacana! da mineira/paraense Priscilla Brasil agradou-me muito. O documentário tem uma duração de cerca de 54 minutos e cobre uma já “tradicional” festa LGBTT, que surgiu à margem do Círio de Nazaré em Belém do Pará. Como o barulho do documentário do canto oposto da sala era alto, não deu para ouvir o áudio muito bem do documentário da mineira/paraense. Assim, fiquei sem entender se a Festa da Chiquita Bacana! surgiu na década de 70 ou 80 ou 90. Como aparecem retalhos de jornal bem velhos registrando as primeiras festas durante a exibição do documentário, eu imaginei que pela idade do condutor da mínima trama do vídeo - uma drag-queen de seus prováveis 50 anos - talvez a Festa da Chiquita Bacana tenha começado na década de 80. O documentário tem um teor etnográfico e historiográfico, mostrando depoimentos de pessoas que de alguma forma são envolvidas com a festa. Seja por bem (como no caso das assumidas drag-queens e trans que aparecem ao longo do enredo) ou por mal (como o caso do Padre conservador que define a festa como “pouca vergonha”). Aparece uma moradora idosa falando da festa, que ocorre a poucos metros de sua casa. Mas não deu para entender pelo volume do áudio, se ela era contrária ou favorável à festa.Mas no final de sua fala ela diz que os “gays não tem escolha, eles já nascem assim”. Foi a única coisa que consegui entender da fala da idosa. A documentarista filmou momentos da festa in loco, em que aparecem drag-queens imitando Gal Costa. Ou seriam transformistas? Meu Deus! Que nome utilizar corretamente para descrever as inúmeras possibilidades do desejo humano, expresso pela contracultura LGBTT ? Se bem que hoje em dia nem se pode mais falar numa contracultura LGBTT, quando o próprio estado burguês coopta lideranças gays, lésbicas e trans para implementar políticas públicas de inclusão à ordem mercantil. Mas o condutor da trama, o mestre de cerimônias da festa, afirma, num momento, que lembra de quando o desejo que não ousa dizer o nome, era marginal e fazia parte do cotidiano de grupos como a Women’s Lib ou a Gay Power americana da década de 70. Hoje a Festa da Chiquita Bacana! de evento marginal foi integrado à lógica do sistema produtor de mercadorias, pois o próprio IPHAN ao fazer um levantamento minucioso do Círio de Nazaré em 2004, acabou tombando a festa como patrimônio imaterial. As duas partes mais impressionantes do documentário que mostram esta integração dos LGBTT à lógica da economia de mercado e do estado burguês, é quando o mestre de cerimônias entrega o troféu (um veadinho de gesso prateado) ao Prefeito de Belém durante a festa ou quando o mesmo mestre de cerimônias enfrenta a burocracia, ainda que simpática da delegacia de polícia, para tirar uma licença para festa. Ele faz questão de afirmar que na mesma delegacia “as bichas eram presas no inicio da festa e hoje os policiais nos protegem”. POR QUE VOCÊ DEVE VISITAR O MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA? Para encerrar: conclamo ao leitor que ainda não conhece o Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura na capital do Ceará, que vá lá. O lugar é agradável, nas obras em que há vídeo-arte há cadeiras para se sentar e assistir, o ar é refrigerado e a qualidade das obras e dos artistas é surpreendente.E outra: é gratuito. Crítico de artes-plásticas

sábado, 9 de março de 2013

A CULTURA IORUBÁ É HETEROSSEXISTA E HETEROCÊNTRICA

A CULTURA IORUBÁ É HETEROSSEXISTA E HETEROCÊNTRICA Charles Odevan Xavier Este breve estudo pretende esmiuçar o caráter dos papéis sexuais na cultura iorubá. Iorubá é um território etno-linguístico que abrange parte da Nigéria, Benim e Gana no continente africano. E é também um idioma falado pelos praticantes da religião tradicional africana dessa extensão territorial. Esta pesquisa não é leviana, mas é parcial pelo fato de que até agora não consegui que nenhuma fundação ou universidade financiasse uma viagem minha para morar um tempo com esses povos. E nada melhor do que uma imersão no campo, para poder dizer se o que dizem os etnógrafos e antropólogos é verdade ou mentira. Então assumindo que sou um pesquisador deficitário – visto que me amparei na pesquisa de terceiros e não na minha própria observação de campo – faço afirmações sobre essa cultura que poderão ferir suscetibilidades dos africanos que moram no Ceará ou dos militantes do movimento negro cearense e de fora do Ceará. Baseio minha pesquisa numa bibliografia que inclue Reginaldo Prandi, Ronilda Yakemi Ribeiro e para não dizer que sou consultei teóricos de pele branca; também consultei a obra do pesquisador negro Nei Lopes, embora deva reconhecer que este pesquisador concentra suas pesquisas criteriosas e ricas na chamada África banta. No livro de Nei Lopes “Kitábu: o livro do saber e do espírito negro africanos” é que pude notar com mais clareza a ambígua relação da religião tradicional africana ioruba com os chamados homossexuais. Nas aldeias iorubas é expressamente valorizado o homem fértil, cheio de filhos e netos, onde supostamente poderá reencarnar-se. Enquanto o homem estéril, afeminado ou sem filhos é extremamente mal visto, posto que não terá descendentes onde possa reencarnar-se. As mulheres masculinizadas ou guerreiras são permitidas e há até orixás femininos que as representam, mas simbolizam odus negativos como Yansã (o desasossego) e Obá (a solidão). Sendo assim, concluo preliminarmente que a cultura ioruba é uma cultura heterossexista e heterocêntrica, visto que qualidades negativas como volubilidade e inconstância são simbolizadas pelo odu de Oxumaré. Porém, como disse me amparei em terceiros. Mas talvez se eu fosse para África por ser um mulato de pele clara, talvez tivesse dificuldades de fazer uma imersão no cotidiano dos moradores desses vilarejos, ao ponto de obter confidências sobre questões como representações sexuais. Pesquisador.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O CATOLICISMO NA PÓS-MODERNIDADE

O CATOLICISMO NA PÓS-MODERNIDADE Autor: Charles Odevan Xavier Este artigo a despeito do título tem propósitos modestos. Pretende-se analisar o catolicismo no Brasil depois da divulgação dos resultados do Censo do IBGE de 2010. Segundo o pesquisador Faustino Teixeira houve um declínio do número daqueles que se declaram católicos para os recenseadores do IBGE. A despeito da imensa maioria do país ainda se declarar católica, houve nitidamente um decréscimo no número de católicos no país. Os dados apresentados indicam que a proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000 para 64,6% nesse último Censo, ou seja, uma queda considerável. Como interpretar esses dados? Trata-se de uma queda que vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980, quando então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí em diante, a sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8 % em 2000 e 64,6% em 2010. O catolicismo continua sendo um “doador universal” de fiéis, ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”, para utilizar a expressão dos antropólogos Paula Montero e Ronaldo de Almeida. E onde a redução católica foi maior no Brasil e em qual lugar o número de católicos permanece igual? A redução católica ocorreu em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil continua tendo uma maioria católica, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes em vários campos. E qual segmento religioso cresceu? O novo censo aponta um dado que já era previsível, a continuidade do crescimento evangélico no Brasil. Foi o segmento que mais cresceu segundos os dados agora apresentados: de 15,4% registrado no censo de 2000 para 22,2%. O aumento é bem significativo, em torno de 16 milhões de pessoas. Um olhar sobre os três últimos censos possibilita ver claramente essa irradiação crescente: 6,6% em 1989, 9,0% em 1991, 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O Brasil vai, assim, se tornando cada vez mais um país de presença evangélica. Há que sublinhar, porém, que a força desse crescimento encontra-se no grupo pentecostal, que é o responsável principal por tal crescimento, compondo 60% dos que se declararam evangélicos (no censo anterior, o peso decisivo no crescimento dos evangélicos, em 15,44% da declaração de crença, foi dado também pelo pentecostais, que sozinhos mantinham 10,43% do índice geral evangélico). Os evangélicos de missão não registram esse crescimento expressivo, firmando-se em 18,5% da declaração de crença evangélica. Qual a surpresa do censo? Os “sem religião”, que no censo de 2000 representavam a terceira maior declaração de crença no Brasil mantiveram o seu crescimento, ainda que em ritmo menor do que o ocorrido na década anterior. Eles eram 7,28% no censo de 2000 e subiram agora para 8% (um índice que comporta mais de 15 milhões de pessoas), e o seu registro mais significativo continua sendo no Sudeste. Esse crescimento não indica, necessariamente, um crescimento do ateísmo, mas uma desfiliação religiosa, um certo desencanto das pessoas com as instituições religiosas tradicionais de afirmação do sentido. Reflete um certo “desencaixe” dos antigos laços, como bem mostrou Antônio Flávio Pierucci em suas pesquisas. Brasil: país católico ou diversificado? Com respeito às outras religiões, permanecem com uma representatividade pequena que em sua soma geral não ultrapassa 3,2% de declaração de crença. Mantém-se viva a provocação feita por Pierucci em artigo escrito depois do censo de 2000 sobre a diversidade religiosa no Brasil, de que o Brasil continua hegemonicamente cristão, e a diversidade religiosa – ainda que em crescimento –, permanece apertada em estreita faixa um pouco acima de 3% da declaração de crença. Com base nos dados do censo agora apresentado, os cristãos configuram 86,8% da declaração de crença. Não há dúvida que isso pode ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de “muitas religiões” em seu interior. No momento em que o Vaticano anuncia a renúncia do Papa, cabe refletir que rumos tomarão o catolicismo no Brasil e no Mundo. Em face do contexto da pós-modernidade que exige tempos pluralistas terá o próximo Papa a marca desses novos tempos? Ou continuará a catolicismo como metanarrativa entre outras (historicismo hegeliano. cientificismo positivista, marxismo) a impor-se como pensamento forte (Gianni Vattimo) sem dialogar com outras tradições religiosas e com matrizes pós-coloniais? Continuará o Vaticano fortemente centralizador a punir iniciativas como a Teologia da Libertação que configurou nas CEB’s uma nova igreja acéfala e horizontal, do qual o Papa Joseph Ratzinger foi paradigma?

OS DOGMAS DA ARTE AFRICANA

OS DOGMAS DA ARTE AFRICANA Autor: Charles Odevan Xavier Este artigo busca refletir se há ou não um cânone artístico no continente africano. Para tanto buscamos analisar fontes como Nei Lopes (Kitábu: o livro do saber e do espírito negro-africanos). Lá o sambista e pesquisador negro reúne os, vamos assim dizer, dogmas da arte africana. Na parte inicial do livro denominada Mooyo há o capítulo XII – A arte e sua finalidade. E só pela forma que o pesquisador intitulou o capítulo, já percebemos muito do espírito da arte africana, pois segundo Nei Lopes a arte teria uma “finalidade”. Sendo assim, a weltanschauung ou cosmovisão africana é teleológica por natureza. Vamos ao primeiro “versículo” do capítulo: “1. A arte deve estar intimamente relacionada à religião. E, assim, obedecer a certos dados constantes, como a assimetria e a desproporção.” Assim, flagramos o estabelecimento de um cânone artístico. Enquanto a arte grega privilegiou a seção áurea, a simetria e a proporcionalidade como ideais de beleza a serem imitados . A arte africana pré-moderna rompe com a estética canônica ocidental. Mas o ocidente, ou melhor, a Europa no século XX foi seduzida pela arte africana, através do trabalho de artistas rebeldes ao academicismo que não conseguiram se desprender da visão de máscaras e fetiches africanos. Muitos pesquisadores afirmam que artistas, como Pablo Picasso e os expressionistas alemães, beberam na fonte da arte africana. Enquanto a arte ocidental é gratuita e tem como parâmetro a beleza, a arte africana, por sua vez, tem caráter utilitário e cultual. Sendo assim, caberia perguntar o trabalho do asogbá – cargo hierárquico no candomblé brasileiro do artesão que faz apetrechos de palha para o orixá Omulu – é arte ou sacerdócio? Na arte africana há uma tendência para o tradicionalismo. Portanto perguntamos: seria uma máscara africana arte ou artefato, posto que as máscaras não tem as marcas singulares do artista que a confeccionou, mas da etnia da qual pertence?

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

PENTECOSTALISMO, METROPOLIZAÇÃO E MODERNIDADE

PENTECOSTALISMO, METROPOLIZAÇÃO E MODERNIDADE Autor: Charles Odevan Xavier “A presença massiva da religião na cidade, uma aparente contradição, mostra bem como se constitui hoje o leque de possibilidades de sentido: a cidade não precisa mais de deus, mas, para aqueles que a própria cidade deserda e desampara, deuses de todo tipo e rito podem ser fartamente encontrados. A cada culto se agrega outro culto, até que se extravasem todas as formas de combinação capazes de responder à criatividade (...) que a cidade, em todas as esferas, incentiva, premia e dela se alimenta” Reginaldo Prandi Este ensaio não é devocional, mas crítico. Para tanto me baseie no trabalho dos teóricos: Francisco Jean Carlos da Silva, Ricardo Mariano, Ronaldo de Almeida e João Décio Passos. O pentecostalismo surgiu com a ocorrência do “falar em línguas” em Topeka entre o século XIX e XX ou em Los Angeles em 1906. A cura divina, batismo do Espírito Santo, doutrina do pré-milenismo e a chama do “falar em línguas” constituíram as principais marcas deste movimento, sendo a última uma marca distintiva para promoção ardente de suas doutrinas. Aqueles que aceitam Topeka como o momento fundante do moderno movimento pentecostal apontam Charles Fox Parham como seu fundador. Foi ele quem pela primeira vez elaborou uma definição teológica do pentecostalismo que sublinhava o vínculo entre “Falar em Línguas” e o batismo do Espírito Santo. “Falar em Línguas” seria a evidência inicial do batismo do Espírito Santo. O pentecostalismo se instalou oficialmente no Brasil através das Igrejas: Congregação Cristã do Brasil e Assembléia de Deus. A primeira se instalou em solo brasileiro, em 1910, no bairro paulistano do Brás. A segunda em 1911, em Belém, no Pará. Essas igrejas foram trazidas dos Estados Unidos da América pelo italiano Luís Francescon e os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren que aqui firmaram suas doutrinas. Mas, como vem ocorrendo esse movimento religioso no Brasil? E qual a relação desta, vamos dizer, ‘socialidade religiosa’ com o processo crescente de metropolização vivido no Brasil? O crescimento do pentecostalismo em vários lugares do Brasil evidenciou que esse movimento apresenta claras distinções de ordem doutrinária. Contudo, parece que, de modo genérico, o núcleo duro do pentecostalismo fundante permaneceu sem sofrer grandes alterações até o final dos anos 50 e início dos 60, do século XX, quando surge no cenário uma segunda onda, constituindo um movimento de renovação carismática. Depois, uma terceira onda iniciada nos anos 1980, que é conhecida como a corrente de renovação da igreja. Segundo Mariano, “com base na discussão das tipologias recentes, a classificação do pentecostalismo tem três vertentes: pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo. E o que caracteriza o pentecostalismo clássico? O pentecostalismo clássico é um termo adotado para transmitir a idéia de antigüidade ou pioneirismo histórico desse movimento. Assim, a Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus podem receber essa nomenclatura. As práticas do prentecostalismo clássico caracterizam-se por enfatizar o “dom de línguas,” a crença na volta iminente de Cristo, a salvação paradisíaca e pelo comportamento de radical sectarismo e asceticismo de rejeição do mundo exterior. Além disso, seus adeptos eram de classes menos favorecidas, rejeitados pelos protestantes históricos e perseguidos pela Igreja Católica. E o Deuteropentecostalismo? O deuteropentecostalismo é a segunda fase do pentecostalismo brasileiro, iniciada no final dos anos 50 e início dos 60, do século passado, caracterizando-se pela inclusão de igrejas carismáticas independentes que aceitam os dons do Espírito Santo como válidos para os dias atuais, porém, são igrejas que permanecem em suas denominações, como: Igreja Quadrangular(1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). Sob a influência dos missionários e ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Williams e Raymond Boatright a segunda onda ganhou uma ênfase diferenciada do pentecostalismo clássico, agora, a bola de vez teológica era o dom de “cura divina,” prática que teve proporções continentais, provocando uma explosão numérica pentecostal em diversas partes do mundo. Apesar de a primeira onda enfatizar o dom de línguas e a segunda, a de cura, “o núcleo doutrinário permanece inalterado em qualquer das ramificações pentecostais. E em que medida o neo-pentecostalismo é continuação ou ruptura com as fases anteriores? O neopentecostalismo ou pós-pentecostalismo é um termo adotado para distinguir a nova roupagem que o pentecostalismo brasileiro vem desenvolvendo desde a segunda metade dos anos 1970, que cresceu e se fortaleceu nos anos 1980 e 90. A Igreja Nova Vida, fundada em 1960, no Rio de Janeiro, pelo missionário canadense Robert McAlister, foi o palco inicial que fez nascer as maiores representatividades desse movimento, através das igrejas: Universal do Reino de Edir Macedo (1977), Internacional da Graça de Deus (1980), Cristo Vive(1986), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Comunidade da Graça (1979), Renascer em Cristo (1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994). E o que caracterizaria essa nova e derradeira fase? O distanciamento substancial do pentecostalismo aconteceu devido à ênfase do pós-pentecostalismo pautar-se na guerra espiritual contra o diabo e seus demônios, a teologia da prosperidade que tem ligação direta com a teologia do pós-milenismo, antagônico da doutrina milenarista dos pentecostais e a eliminação dos sinais externos de santidade. A trilogia diabo, prosperidade-cura e anti-asceticismo sinalizam um novo paradigma na estrutura do pentecostalismo de terceira onda. E sem falar que esta terceira onda se organiza sempre de forma empresarial. Estes fenômenos teológicos tem nítida ligação com o processo de metropolização do Brasil. As pessoas saídas da zona rural e que perderam seus vínculos comunitários originais ao chegar na metrópole, reinventam nestas igrejas os antigos laços comunitários perdidos. Assim os pentecostais buscam fortalecerem-se entre si, em meio a cenários de extrema pobreza material, política e violência urbana. É desta forma uma reação ao endurecimento da vida nas cidades grandes e uma crítica à secularização da modernidade. Mestrando em Letras pela UFC. charlesodevan@gmail.com

O PROVIDENCIALISMO BÍBLICO

O PROVIDENCIALISMO BÍBLICO Autor: Charles Odevan Xavier “Todos esses seres esperam de vós que lhes deis de comer em seu tempo” Sal 103, 27 Este artigo é uma tentativa de reflexão sobre o conceito de providencialismo bíblico. E para tanto, cabe checar no Dicionário Aurélio, o que o mesmo diz sobre o vocábulo ‘providência’: “1. A suprema sabedoria com que Deus conduz todas as coisas.”. Também é interessante checar a definição de ‘providencialismo’: “ Doutrina filosófica que atribui tudo à ação da providência divina.” Partindo dessas premissas lexicográficas, cabe indagar: qual a implicação do conceito de providência para o entendimento de um conceito pressuposto: a natureza de Deus? Sim! Porque se a frase diz que Deus conduz com sabedoria […] O verbo ‘conduzir’ implica numa noção pessoal e intervencionista de Deus, ou numa expressão: um Deus teísta. A cristandade sempre “vestiu” Deus com trajes teístas. E assim, teremos inúmeras passagens em que vemos um Jeovah diretamente afetado por seu suposto povo eleito. Desse modo, O Deus pessoal de Moisés se irrita com a murmuração de seu povo, que não aprecia o sabor do “maná” vindo dos céus para saciar sua fome. E se um Deus se irrita, é lógico que a Bíblia lida com um conceito de pessoa, ainda que a cristandade pós-mosaica tenha “trinitarizado” esta pessoa, que antes, no mosaísmo, era “unitária”. E quais as implicações teológicas do teísmo judaico-cristão? O teísmo concebe Deus como um criador extremamente interessado em sua suposta criação: o universo. Ao contrário do Deísmo de Voltaire e dos Iluministas – o qual concebia o universo criado como um dispositivo automático e auto-regulado por um Deus relojoeiro desinteressado com a criação e, portanto, distante dela – o Teísmo supõe um Deus mecânico, na metáfora do cristão Isaac Newton, constantemente intervindo em sua criação. Enquanto no Deísmo não faz sentido o hábito da prece, partindo do pressuposto de que o Criador teria se ausentado do universo após o ato criador e, portanto, sem poder mudar as leis regulares com que o criou. No teísmo, por sua vez, faz todo sentido a evocação de um suposto criador através do hábito da prece: pois Deus não só intervêm no universo, como pode anular suas leis – vide o episódio do mar vermelho anulando a lei da gravidade e do volume. E cabe perguntar: por que existe prece? Porque existe quem ofereça preces, ou seja, o homem. Então para não ficar pensando apenas na perspectiva do “criador”, que tal analisar a perspectiva da suposta criatura? Enquanto o Ocidente concebe Deus como metáforas da mesopotâmia: Rei dos reis, senhor dos exércitos; por sua vez o mesmo Ocidente concebe a “criatura” como tendo sido feita de barro. E, é na metáfora do artefato, que o homem ocidental se vê. Assim faz todo um sentido um Deus “criador” que moldou o homem do barro e o universo do átomo. E para tanto faz todo sentido também o conceito de providência, pois se o homem é o artefato e Deus é o artífice, geralmente os artistas têm zelo com suas esculturas. Mestrando em Letras pela UFC charlesodevan@gmail.com

A ESPIRITUALIDADE DO UNIVERSO SEM AUTOR

A ESPIRITUALIDADE DO UNIVERSO SEM AUTOR Charles Odevan Xavier “Um Deus compreendido não é Deus” Rudolf Otto “Não há dúvida de que a ciência legou ao mundo moderno, por meio de teorias como a mecânica newtoniana e a darwinista (esta, objeto de mal-estar para a Igreja ainda nos tempos atuais), uma visão do universo como algo vazio e sem autor.” Luís Felipe Pondé Este ensaio parte de um paradoxo aparente e quase insolúvel: como espiritualizar um universo que não teve Criador? Como sacralizar um universo que talvez não seja o kosmos dos gregos – a saber: um todo ordenado, harmonioso e cheio de regularidades? Como reagirá o homem moderno ante a angustiante orfandade de um universo vazio e indiferente, segundo o modelo astrofísico de Newton? Pois com a física newtoniana o universo passou a ser uma caixa de areias e pedras que se atraem e se repelem matematicamente. Ainda quando vigorava o modelo aristotélico de descrição do universo podia se ver no universo: a assinatura de Deus. Uma assinatura física mas também moral. Pois a física aristotélica trabalhava com a noção de finalidade e dava um rastro teleológico ao universo da idade média. Assim a “Criação” tinha um objetivo. E isso confortava as pessoas. Contudo com o modelo de Newton algo se quebrou. O universo deixou de ser uma casa onde se manifestava os desígnios de um “Criador” e passou a ser um lugar desolado e frio, regido por leis probabilísticas e fixas, sem lugar para milagres e intervenções sobrenaturais. Embora Newton não fosse ateu, em seu fórum íntimo havia lugar para Deus; já em seu modelo as coisas não passavam a ocorrer pela “vontade de Deus”, mas passavam a se mover sozinhas. A solidão se instaura aí nesse universo contaminando a vida dos homens e mulheres, fazendo-os sentirem-se como pedras que vagam sozinhas pelo universo indiferente. E o que propor neste cenário para torná-lo mais tolerável? Se não podemos transcendentalizar o universo e se só nos resta imanentizá-lo, que tal tentar salvar esse universo pela estética, já que não podemos teologizá-lo? Sim! Mesmo que o universo seja fruto de uma explosão que aconteceu há prováveis 20 milhões de anos atrás (Dicionário Enciclopédio de Astronomia e Astronáutica de Ronaldo R. de F. Mourão), sem nenhum propósito aparente e sem nenhuma assinatura; que tal poetizar as galáxias, os aglomerados, as estrelas, os cometas, os meteoros que nos inspiram otimismo e os crepúsculos penumbrados que nos sugerem melancolia e instrospecção? Eis a minha proposta: se não podemos salvar o universo pela religião, pois o universo não cabe nos domínios da mesma, que tal resgatá-lo pela arte? Mestrando em Letras pela UFC.