terça-feira, 25 de setembro de 2012

BRASILIDADE NO ROMANCE O CORTIÇO DE ALUÍZIO DE AZEVEDO

O romance O Cortiço é o livro mais representativo da obra de Aluísio de Azevedo e do realismo-naturalismo brasileiro. Quem deseja entender a identidade nacional, o Brasil atual, não pode passar sem a leitura desta obra. Diz-se que o Naturalismo só lida com personagens planos, isto é, sem sujeitos, agentes , somente objetos, pacientes. Aluísio de Azevedo, embora seja um naturalista confesso ( a zoomorfização de personagens, o determinismo ambiental, o cientificismo das causas e efeitos não deixam mentir), constrói personagens redondos que apresentam uma mobilidade moral e/ou socio-econômica. Desse modo, João Romão, o dono do cortiço, começa como simples empregado de um vendeiro e termina como proprietário burguês; em compensação para ascender socialmente ele se escora no trabalho da sua amante Bertoleza, a escrava fugida. Até Bertoleza, ingênua, submissa, dedicada, trabalhadora e analfabeta (fato pelo qual João Romão se beneficia) se torna desconfiada e amarga quando descobre que João Romão pretende enxotá-la (depois de velha, fedorenta) para se casar com uma moça rica. O autor se utiliza de um expediente interessante: para dar brilho a uma personagem, outra terá que ser ofuscada. Outras personagens apresentam mobilidade, contrariando os preceitos naturalistas. O português Jerônimo, trabalhador bovino (forte e manso), sério, austero, nostálgico e melancólico (gosta de tocar fados) será um vagabundo extrovertido (amante do ritmo quente do lundu) ao se amigar com a fogosa mulata Rita Baiana. Por sua vez, a sua esposa Piedade, séria e trabalhadeira, tornar-se-a alcoólatra, frívola e amante das farras após a separação. Pombinha, a menina-anjo, a queridinha escolarizada do cortiço ( que escreve cartas para os analfabetos) será uma habilidosa prostituta de luxo. Diz-se, etnocentricamente, que os europeus são os civilizados e os habitantes dos trópicos, seres bestiais. No entanto, o retrato que Aluísio de Azevedo faz do estrangeiro não é nada generoso. Piedade, a portuguesa mulher do também português Jerônimo, é trocada pela asseada mulata Rita Baiana, por não estar habituada aos banhos diários (por causa do enorme calor do Brasil) e viver, como diz o marido, com um cheiro azedo e mofado. O comerciante português João Romão, além de explorar a amante Bertoleza, deixa de pagar todas as vezes que pode, nunca deixando de receber, enganando os fregueses, desdobrando cachaça com água, roubando nos pesos e nas medidas, o que garante o seu enriquecimento ilícito. O autor não poupa também os italianos – um tipo de imigrante que dará muitas dores de cabeça aos fazendeiros brasileiros acostumados com a mao de obra negra e escrava – conhecidos no cortiço pelas cascas de melancia e laranjas entulhados na frente de seus cômodos. Revelando, surpreendentemente, que são os brasileiros os cultores da higiene. O Cortiço é, entre o Ana em Veneza de João Silvério Trevisan e o ensaio O Povo Brasileiro de Darci Ribeiro, um guia para entender a singularidade da brasilidade.

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