terça-feira, 25 de setembro de 2012

O ESPECTRO DO INFERNO: A OBRA DE WILLIAM BLAKE

O poeta e artista-plástico inglês William Blake (séc.XVIII) ao criar o perturbador poema Provérbios do Inferno, perverte toda a noção moralizante usual dos provérbios cristãos e projeta sua obra além do seu tempo, vindo a influenciar simbolistas e surrealistas que admiravam a ligação inusitada entre erotismo e misticismo do seus versos. Incompreendido no seu tempo, visto como excêntrico, visionário e louco (o que acabou se tornando, tendo várias internações), William Blake tinha uma visão muito particular da libido, segundo ele os prazeres sexuais era santos e através deles se atingia uma nova pureza e inocência. Essa forma de pensar, unindo o sensual e o espiritual, é muito próxima do Tantrismo hindu ? um tipo de Yoga que professa a conexão com Deus através da energia sexual (a kundalini). Não sabemos se o poeta teve acesso a esse tipo de informação, o que sabemos é que sua visão foi chocante para a Inglaterra puritanista e pré-vitoriana da sua época, ocasionando uma série de aborrecimentos e perseguições. O inferno exercia um enorme fascínio sobre o poeta, tanto que os seus últimos livros foram escritos imitando o estilo bíblico, constituindo uma espécie de bíblia negra que ele denominou Bible of Hell . O seu interesse pela temática o levaria a ilustrar a Divina Comédia de Dante. Dada essa rápida introdução, cabe agora analisar alguns versos do poema que intitula esse artigo. O poeta começa imperativo: “Conduz o teu carro e teu arado por sobre os ossos dos / mortos.” Incitando o leitor a esquecer os mortos, o passado, a tradição, as raízes e seguir confiante em busca de seus objetivos. Algo que, não acidentalmente, contempla o que supostamente Cristo teria dito caso tivesse existido: “Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos? ou ?abandona pai, mãe, filhos e segui-me.” Com “A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria” e “A prudência é uma solteirona rica e feia / cortejada pela impotência”, o poeta condena toda forma de bom-senso. Em “Quem deseja mas não age gera pestilência”, antecipa o que Freud diria, dois séculos depois, sobre a natureza das doenças psicossomáticas. Professa o narcisismo e a auto-estima: “Aquele cujo rosto não se ilumina, jamais há de / ser uma estrela” Enquanto o Cristianismo condena a vaidade. Reprova a introspecção e a ociosidade: “A abelha atarefada não tem tempo para tristeza.” Portanto, “os alimentos sadios não são apanhados com / armadilhas ou redes.” Ridiculariza os fantasmas: “Um cadáver não vinga as injúrias.” “Os tigres da ira são melhores que os cavalos / da educação.” Blake era fascinado pelo Tigre, segundo ele, por ser o símbolo da tirania divina a qual o homem se submete; enquanto, o Cordeiro é o símbolo da bondade patriarcal de Deus. Aqui, um paradoxo que só a linguagem poética justifica, pois como um Deus pode ser tirano e bondoso ao mesmo tempo? Em “As prisões se constróem com as pedras da lei / Os bordéis com os tijolos da religião”, o poeta ataca a ambigüidade do clero e da justiça. Refuta a o sentimento de culpa: “A raposa condena a armadilha, não a si própria.” Algo misógino ou machista em “Que o homem use a pele do leão, a mulher / a lã da ovelha.” Prescreve a autenticidade: “Dize sempre o que pensa e o homem torpe / te evitará.” E condena a humildade : “A águia nunca perdeu tanto tempo / como quando resolveu aprender com a gralha.” Propõe o dinamismo : “Da água estagnada espera veneno” e conclui de forma cruel : “A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão” mostrando que Deus tem preferência pelos fortes , subvertendo a velha crença de Deus preferir os fracos e humildes de coração que se deduz das contraditorias passagens do Antigo Testamento. O vigor estilístico blakeano inspirou Nietszche (no seu ódio ao cordeiro, o rebanho humano), Baudelaire (no seu decadentismo satanista), o futurista Marinetti (no seu violento anti-clericalismo e no tom provocativo de suas composições), em Strindberg, o poema em questão ganhou uma versão musicada pela banda de rock brasileira As Mercenárias na década de 80. Não sabemos dizer se misticos midiáticos como Aleister Crowley do Livro da Lei e Anton Szandor LaVey da Biblia Satanica tiveram acesso a obra do poeta ingles, mas que o thelemismo e o luciferianismo parecem inspirados nessa trilha aberta por William Blake, isso sem dúvida.

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