sábado, 11 de janeiro de 2014

INTRODUÇÃO E SUMÁRIO DO LIVRO 'SEM MUTHEMBA' DE MINHA AUTORIA PARA DOWNLOAD

INTRODUÇÃO “O artista ao produzir um quadro cria um público seleto para olhá-lo!” Karl Marx O livro que o leitor tem em mãos (Sem muthemba: usos políticos dos cultos afros e outros ensaios) não é, a rigor, uma dissertação de mestrado e nem uma tese de doutorado. Também não tem a frivolidade dos livros de crônicas. Trata-se, na verdade, de uma miscelânea de ensaios produzidos entre os anos de 2002 a 2013. Desse modo, é com a intenção de ter produzido um texto acessível, mas sem ser superficial que ora entrego a obra para o deleite ou execração do público leitor. O leitor que tenho em mente – como sugere a epígrafe de Karl Marx – é aquele leitor provável criado a partir de 2003 com o advento da Lei 10.639 e sua respectiva correção com a Lei 11.645 de 2008. Ambas as leis estipulam Diretrizes Curriculares Nacionais para a Promoção da Igualdade Racial e instituem o ensino obrigatório de História e Culturas Afro-brasileiras e Indígenas nas escolas da rede básica do país (públicas e privadas). E de quem se trata esse leitor presumível? Imagina-se que com a implementação de uma lei que estimule os chamados african studies , que quando aparece um livro como Sem muthemba (o qual se define como uma obra de african studies) o mesmo irá atrair inicialmente a atenção de negros ou pardos. Entretanto, recentes pesquisas do IBGE revelam que apesar de uma suposta ascensão das chamadas classes D e E ao patamar de classe média, devido ao já retórico recurso das políticas públicas de redistribuição de renda da chamada era PT (coisa da qual não acredito piamente) O que se sabe e se presume pelas estatísticas recentes é que o público negro e pardo é um público de baixa renda e de baixa escolaridade. Assim, imagina-se que boa parte do público negro e pardo não seja exatamente um público leitor. E, quanto à menor parte, do público negro e pardo? De quem se trata? Imagina-se que este livro irá interessar primeiramente aquele negro e/ou pardo minimamente escolarizado que possui acesso a internet e que é envolvido de alguma maneira com o problema racial ainda, infelizmente, existente no Brasil. Desse modo, imagino o livro sendo consumido por militantes negros e pardos em primeiro lugar. Secundariamente o livro poderá interessar aos formadores de opinião do país que se interessam pela questão racial; a saber: jornalistas, historiadores, lingüistas, musicólogos, antropólogos, cientistas da religião, teólogos, folcloristas, críticos literários, entre outros, independente de sua cor de pele. Por que escrevi este livro? Bem. Já disse para quem presumivelmente escrevi o livro, mas não revelei inteiramente o propósito do mesmo. Então imagino que Sem Muthemba vem cobrir uma lacuna no mercado editorial de e-books do país da seguinte forma: a maioria dos livros surgidos com a implementação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 sejam de livros infanto-juvenis produzindo racontos baseados na riquíssima mitologia africana ou livros acadêmicos sisudos feitos para especialistas. Sem Muthemba pretende ser uma obra com a singularidade de ter sido escrito por um branco com traços negróides mestiçado com uma possível origem semítica ; homoafetivo assumido e militante e anticapitalista radical. Assim, escrevi a obra para dar conta de uma possível lacuna editorial a ser preenchida por um livro em que sinceridade e ousadia intelectual estão combinadas. O leitor já deve estar ansioso para saber: e quanto ao estranho título? Do que se trata? Muthemba refere-se, segundo o historiador negro Wilson do Nascimento Barbosa, a cerimônias onde ocorria o chamado retorno pela qual o consulente ou praticante dos tempos da escravidão era induzido ou “levado de volta” até sua terra original, logrando “ver” sua aldeia ou território ou agregado africano do qual descendia através de toda uma liturgia específica e do consumo de beberagens ou inalantes psicoativos. Assim, resolvi colocar como título o sintagma nominal: ‘sem’+’muthemba’ para sinalizar a historicidade da muthemba. Ou dito de outro modo, desejo enfatizar para o leitor lusófono que na diáspora negra brasileira não se recorre mais à muthemba. E sugerir pelo subtítulo do livro: ‘ usos políticos dos cultos afros’ as implicações políticas da privação sinalizada pela preposição ‘sem’. Que crenças silenciosas estão latentes no título e subtítulo da obra? Pretendo fazer o leitor chegar ao ponto de perceber que entre a África negra original e a chegada compulsória de seus habitantes, pelo tráfico de escravos atlântico, muita coisa se modificou ou foi re-inventada com o passar do tempo. Assim, pode-se pensar que se no início da colonização portuguesa no Brasil os negros cativos para aqui trazidos, embora tivessem sido batizados com nomes portugueses e brancos, eles tentaram manter muito de suas crenças e costumes religiosos. O livro Sem Muthemba trata basicamente do que a bibliografia chamou de afro-religiosidades diaspóricas mas concentra-se, sobretudo, nas observações de campo do autor no que muitos chamam de umbanda cearense . Como se vê no ensaio Divagações sobre o Corpora Umbandista que foi o primeiro a ser escrito em 2002 e re-escrito agora em 2014 e que se refere às minhas vivências no terreiro: Cabana Luz do Congo . O terreiro acima citado é que bem dizer gerou este livro. Tudo começou ali. E o que tinha de tão especial neste terreiro? Simples: uma enorme biblioteca. Fiz amizade com o ogã do terreiro (o Seu Júlio, filho do pai de santo da casa e dono do acervo bibliográfico). E passei de 2002 a 2008 consumindo todo o acervo da biblioteca da casa que se refere às afro-religiosidades . Tive uma convivência bastante agradável com Seu Júlio que soube me acolher em seu terreiro e destrancou a biblioteca para mim. Contudo, o mesmo não posso dizer de outras pessoas do terreiro que pareciam ver com desconfiança um intelectual fazendo perguntas e muito ansioso por respostas verbais. Tive de aprender na marra que nas religiões afros nem tudo é permitido saber (PRANDI, 2005). Muita coisa se aprende com o tempo e com a convivência de forma lenta e gradual, como o orvalho que cai na terra durante a noite. E eu devo ter tido problemas com eles porque minha ansiedade parecia mais uma enchente de perguntas do que com o orvalho. No entanto, aprendi muito nesses anos de pesquisa e convivência. E ajudou a perceber que eu tinha uma visão muito preconcebida do que era religião legitimamente negra. E só com a ajuda anos depois do historiador Wilson do Nascimento Barbosa é que veria a compreender porque eu fui tratado com tanta hostilidade por parte de algumas pessoas naquele terreiro. Eu esperava uma negritude idealizada e o que vi lá foi uma negritude subalternizada. A negritude subalternizada é aquela onde a africanidade incomoda tanto, que se resolve internalizar o racismo por quem é negro, pardo ou branco; produzindo o branqueamento compulsório de uma religião que nos seus primórdios foi negra. Assim, eu ficava surpreso quando ouvia uma mãe de santo da casa dizer-se católica. Tinha uma visão intolerante e preconceituosa quanto ao sincretismo religioso. Hoje já não tenho mais. E também devo reconhecer que minhas inconveniências em campo foram talvez motivadas pelo fato de fazer etnografia sem ser, contudo, um etnógrafo profissional. Minha formação era em Letras e naquele ano de 2002 eu entrei no Mestrado em Literatura Brasileira da UFC. Assim não tive a formação necessária em antropologia. Eu era um antropólogo autodidata e o que é pior: sem orientador. Tive de começar a pesquisar sozinho e sem dinheiro para comprar livros, a depender apenas da intuição e dos livros da biblioteca do Centro de Humanidades da UFC – instituição da qual me desvinculei em 2005. Quando não pude pegar mais livros na Biblioteca da UFC, senti muitas dificuldades, mas logo consegui um emprego remunerado de professor no Projeto do Projovem. Dessa forma, consegui comprar livros mais atualizados e acadêmicos sobre a temática, já que os livros da Biblioteca do terreiro eram devocionais. . Contudo há na minha trajetória de intelectual um marco divisor. Trata-se do ano de 2009, quando comprei meu notebook e assim pude baixar centenas de textos de periódicos acadêmicos sobre africanidades e, assim como, pude contar com um editor de texto instalado que facilitou muito as pesquisas para que este livro ficasse pronto agora em 2014. Portanto, sem mais delongas! Convido ao leitor a mergulhar nas águas negras e barrentas deste livro. O sumário da obra ajudará o leitor a sair da costa dos escravos lá no Benin (ex-Daomé) e atravessar nos navios negreiros até chegar aos terreiros brasileiros. Boa leitura! Charles Odevan Xavier Fortaleza, janeiro de 2014. SUMÁRIO PÁGINA Dedicatória 02 Agradecimentos 03 Introdução 06 Divagações sobre o corpora umbandista 25 As implicações da muthemba 47 Concepção de Deus em Diversos Pontos de Vista Filosóficos 114 Dorival Caymmi e a afro-religiosidade 182 Os Vissungos, Clementina de Jesus e um pouco de Filologia Negra 209 O samba ‘macho-man’ de Roberto Silva 244 A Carta do Povo de Terreiros à Dilma Candidata 262 O Problema do Destino na Ciência, na Cultura Iorubá e na Astrologia 294 Etnografia da Sala de Bate-papo de Candomblé 361 Estratégias de legitimação em livros de umbanda 371 Os Tarôs de Orixá no Mercado Editorial Brasileiro 383 Negros no Ceará 401 O Exu de Alberto Mussa 412 Negritude e Homoafetividade no Romance O Trono da Rainha Jinga de Alberto Mussa 427 África em quadrinhos contada por um branco americano 454 Bibliografia 482