domingo, 10 de março de 2013

Roteiros, desvios, fluxos e políticas do corpo : Crítica à exposição Rotas: desvios e outros ciclos

Roteiros, desvios, fluxos e políticas do corpo : Crítica à exposição Rotas: desvios e outros ciclos Autor: Charles Odevan Xavier Resenha crítica da Exposição Rotas: desvios e outros ciclos: Ceará/Piauí/Pará em cartaz até 05 de Maio de 2013 no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura na capital do Ceará. Esta resenha crítica não segue todos os procedimentos canônicos da crítica de arte. Mas para o leitor não ficar desesperado com um possível e previsível impressionismo (há quem diga: o senso comum do achismo); informo que sou um crítico de artes plásticas de respeito, que leu Gombrich e sua volumosa História da Arte. Ou que li coisas mais moderninhas, como Arthur C. Danto ou Michael Archer. Sendo assim sou um crítico de respeito, tá pensando o que? Fiz o dever de casa! O problema dessa minha crítica e o leitor já deve ter percebido desde as primeiras linhas: é que escrevo em primeira pessoa. Ou seja, num ato político e exibido de afirmação do eu. E, além disso, para fugir do cânone esta resenha assumirá em alguns momentos ares etnográficos. Quando, por exemplo, assumo que não sei o nome de algumas obras que irei analisar, porque sou um crítico pobre, sem dinheiro para comprar um tablet (recurso que muito ajudaria a anotar detalhes técnicos das obras analisadas). Sendo assim, só sei os nomes dos artistas que me chamaram a atenção, porque o Dragão do Mar fornece um folder. Mas um folder incompleto. A Exposição coletiva Rotas: desvios e outros ciclos: Ceará/Piauí/Pará teve curadoria de Bitu Cassundé e Marisa Mokarzel. E teve a participação dos seguintes artistas: Armando Queiroz(PA), Berna Reale (PA), Danilo Carvalho (CE/PI), David Cury (PI), Efrain Almeida (CE), Eduardo Frota (CE), Emmanuel Nassar (PA), Herbert Rolim (PI/CE), Karin Ainouz e Marcelo Gomes (CE/PE), Orlando Maneschy (PA), Paula Sampaio (PA) e Priscilla Brasil (MG/PA). O “CHUBBY” MARAVILHOSO DE EFRAIN ALMEIDA Arte contemporânea, assim como dança contemporânea, é estranhamento. Mas para minha adorável surpresa (naquele sábado pós-Dia Internacional da Mulher que visitei a exposição) assim que entro na sala, deparo com a adorável obra O Homem sozinho do cearense Efrain Almeida. Nesta obra vemos uma miniatura de homem obeso nu, esculpido em madeira de iburana, com um másculo cavagnac cheio de pêlos brancos, os braços abertos e um sorriso sacana, como num convite sexual ao espectador ou à espectadora. Eu adorei a obra, porque além de bem esculpida, exibia um gordo másculo, bundudo e de pau grande – ou seja, tudo aquilo que desejo!!! Assim, comecei meu percurso de exposição que ainda revelaria gratas surpresas. Como aliás deveria ser toda exposição de arte contemporânea. Na mesma sala, Efrain Almeida fez umas inscrições na parede com olhos de um homem ou mulher brancos fechados e abertos. Como quem diz: a arte contemporânea depende do olhar do espectador que pode estar aberto para perceber ou para fechar-se às impressões sensoriais e estéticas. Na outra sala, Efrain Almeida esculpiu na madeira de iburana um cachorro pé-duro (que para o leitor que não é do Ceará eu explico o que é isso: sinônimo de vira-lata) e um pássaro em pleno vôo. Eu prontamente estabeleci uma sintaxe entre as duas salas, posto que o artista era o mesmo. Na primeira sala um adorável homem obeso nu e na outra animais não-vestidos. Ou seja, talvez uma evocação ao estado de natureza de Rousseau. AS BOLINHAS ADESIVAS VERMELHAS DE DAVID CURY Noutro pavimento do Museu de Arte Contemporânea, o piauiense David Cury levou 8 dias para montar sua obra: milhares de bolinhas adesivas vermelhas coladas pelas paredes de cima a baixo formando belos desenhos. Se a arte é realidade gráfica na expressão de Ferreira Gullar; David Cury conseguiu executar sua obra com muita virtuose e o resultado plástico foi excelente, ainda que não seja uma arte engajada como eu queria. A PERFORMANCE DO AÇOUGUE DE BERNA REALE Quando desci o pavimento inferior do Museu de Arte Contemporânea deparo-me com o registro em vídeo da performance da paraense Berna Reale. Eu me sentei no banco, como exige a vídeo-arte e pus-me a assistir o impressionante registro da performance da artista. De dentro de um caminhão de frigorífico, cinco açougueiros saem carregando uma haste de ferro onde se encontra pendurada uma mulher nua e com a careca raspada. Os cinco açougueiros saem pelas ruas de Belém do Pará, provocando olhares incrédulos. O impacto da situação me fez dar várias gargalhadas. Aliás os psicanalistas tecem todo um estudo da relação entre riso e nudez, quando o nosso id libera suas pulsões de vida, ainda que sejam observadas por um superego repressor, daí a hilaridade. Se arte contemporânea é estranhamento, Berna Reale conseguiu o efeito pretendido. Fico imaginando o choque das pessoas pelas ruas de Belém do Pará. A despeito de que o corpo feminino nu não desperte mais tanto horror, numa época em que a cultura de massa celebra mulheres semi-nuas até em propaganda de Cerveja. Também me chama a atenção o fato de que o corpo feminino era vivo e não um cadáver, mas havia a simulação de ser um cadáver, já que no vídeo exposto a mulher pouca respirava. As feministas que tentem interpretar aquele mulher nua, de careca raspada e carregada aos solavancos por cinco açougueiros cabra-machos. O GUARDA-ROUPA QUEBRADO DE HERBERT ROLIM Na outra sala, a instalação do piauiense/cearense Herber Rolim produz um efeito muito forte de desolação sobre o espectador. Sobre uma pilha de areia de rio há um guarda-roupa velho quebrado com as gavetas abertas. Mais a frente: objetos de pescas. Próximo ao guarda-roupa velho o artista dispôs um aglomerado de telhas de barro, amarradas de forma a produzir um efeito de decadência. Assim Herbert Rolim remete-nos a estética do restolho, como o poeta do pantanal Manoel de Barros, o qual celebrou coisas sem-valor ou fora de uso em sua poética. A ESTÉTICA DO DESAGRADÁVEL EM ARMANDO QUEIROZ O artista paraense Armando Queiroz exibe em Midas uma curta vídeo-arte; onde um rosto pintado de dourado e uma boca dourada saturados de luz vermelha se abrem revelando uma profusão de pequenos besouros vivos. O efeito é bem desagradável e nojento. Em outra vídeo-arte do paraense um bando de urubus sobrevoa e pousa numa pilha de comida num trapiche. Já em outra, um daqueles homens-estátuas das grandes metrópoles (semi-nu e pintado de prata) come com sofreguidão em um restaurante popular. Ou em outra um rosto saturado de luz azul recita poemas doloridos. O grotesco já foi trabalhado por outros artistas na história da arte e a obra de Armando Queiroz apenas segue uma longa tradição; que vai desde um Hieronimus Bosch (e seus infernos cheios de bichos repelentes) até chegar naquele artista midiático e endinheirado, que embalsama e retalha cadáveres de pessoas indigentes e os expõe nos museus do mundo, gerando protestos. É uma arte feia e desagradável, mas quem disse que arte tem de ser bonitinha e enfeitadinha? O que vale é o gesto e a criatividade. O DOCUMENTÁRIO QUEER A FESTA DA CHIQUITA BACANA DE PRISCILLA BRASIL O documentário A Festa da Chiquita Bacana! da mineira/paraense Priscilla Brasil agradou-me muito. O documentário tem uma duração de cerca de 54 minutos e cobre uma já “tradicional” festa LGBTT, que surgiu à margem do Círio de Nazaré em Belém do Pará. Como o barulho do documentário do canto oposto da sala era alto, não deu para ouvir o áudio muito bem do documentário da mineira/paraense. Assim, fiquei sem entender se a Festa da Chiquita Bacana! surgiu na década de 70 ou 80 ou 90. Como aparecem retalhos de jornal bem velhos registrando as primeiras festas durante a exibição do documentário, eu imaginei que pela idade do condutor da mínima trama do vídeo - uma drag-queen de seus prováveis 50 anos - talvez a Festa da Chiquita Bacana tenha começado na década de 80. O documentário tem um teor etnográfico e historiográfico, mostrando depoimentos de pessoas que de alguma forma são envolvidas com a festa. Seja por bem (como no caso das assumidas drag-queens e trans que aparecem ao longo do enredo) ou por mal (como o caso do Padre conservador que define a festa como “pouca vergonha”). Aparece uma moradora idosa falando da festa, que ocorre a poucos metros de sua casa. Mas não deu para entender pelo volume do áudio, se ela era contrária ou favorável à festa.Mas no final de sua fala ela diz que os “gays não tem escolha, eles já nascem assim”. Foi a única coisa que consegui entender da fala da idosa. A documentarista filmou momentos da festa in loco, em que aparecem drag-queens imitando Gal Costa. Ou seriam transformistas? Meu Deus! Que nome utilizar corretamente para descrever as inúmeras possibilidades do desejo humano, expresso pela contracultura LGBTT ? Se bem que hoje em dia nem se pode mais falar numa contracultura LGBTT, quando o próprio estado burguês coopta lideranças gays, lésbicas e trans para implementar políticas públicas de inclusão à ordem mercantil. Mas o condutor da trama, o mestre de cerimônias da festa, afirma, num momento, que lembra de quando o desejo que não ousa dizer o nome, era marginal e fazia parte do cotidiano de grupos como a Women’s Lib ou a Gay Power americana da década de 70. Hoje a Festa da Chiquita Bacana! de evento marginal foi integrado à lógica do sistema produtor de mercadorias, pois o próprio IPHAN ao fazer um levantamento minucioso do Círio de Nazaré em 2004, acabou tombando a festa como patrimônio imaterial. As duas partes mais impressionantes do documentário que mostram esta integração dos LGBTT à lógica da economia de mercado e do estado burguês, é quando o mestre de cerimônias entrega o troféu (um veadinho de gesso prateado) ao Prefeito de Belém durante a festa ou quando o mesmo mestre de cerimônias enfrenta a burocracia, ainda que simpática da delegacia de polícia, para tirar uma licença para festa. Ele faz questão de afirmar que na mesma delegacia “as bichas eram presas no inicio da festa e hoje os policiais nos protegem”. POR QUE VOCÊ DEVE VISITAR O MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA? Para encerrar: conclamo ao leitor que ainda não conhece o Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura na capital do Ceará, que vá lá. O lugar é agradável, nas obras em que há vídeo-arte há cadeiras para se sentar e assistir, o ar é refrigerado e a qualidade das obras e dos artistas é surpreendente.E outra: é gratuito. Crítico de artes-plásticas

sábado, 9 de março de 2013

A CULTURA IORUBÁ É HETEROSSEXISTA E HETEROCÊNTRICA

A CULTURA IORUBÁ É HETEROSSEXISTA E HETEROCÊNTRICA Charles Odevan Xavier Este breve estudo pretende esmiuçar o caráter dos papéis sexuais na cultura iorubá. Iorubá é um território etno-linguístico que abrange parte da Nigéria, Benim e Gana no continente africano. E é também um idioma falado pelos praticantes da religião tradicional africana dessa extensão territorial. Esta pesquisa não é leviana, mas é parcial pelo fato de que até agora não consegui que nenhuma fundação ou universidade financiasse uma viagem minha para morar um tempo com esses povos. E nada melhor do que uma imersão no campo, para poder dizer se o que dizem os etnógrafos e antropólogos é verdade ou mentira. Então assumindo que sou um pesquisador deficitário – visto que me amparei na pesquisa de terceiros e não na minha própria observação de campo – faço afirmações sobre essa cultura que poderão ferir suscetibilidades dos africanos que moram no Ceará ou dos militantes do movimento negro cearense e de fora do Ceará. Baseio minha pesquisa numa bibliografia que inclue Reginaldo Prandi, Ronilda Yakemi Ribeiro e para não dizer que sou consultei teóricos de pele branca; também consultei a obra do pesquisador negro Nei Lopes, embora deva reconhecer que este pesquisador concentra suas pesquisas criteriosas e ricas na chamada África banta. No livro de Nei Lopes “Kitábu: o livro do saber e do espírito negro africanos” é que pude notar com mais clareza a ambígua relação da religião tradicional africana ioruba com os chamados homossexuais. Nas aldeias iorubas é expressamente valorizado o homem fértil, cheio de filhos e netos, onde supostamente poderá reencarnar-se. Enquanto o homem estéril, afeminado ou sem filhos é extremamente mal visto, posto que não terá descendentes onde possa reencarnar-se. As mulheres masculinizadas ou guerreiras são permitidas e há até orixás femininos que as representam, mas simbolizam odus negativos como Yansã (o desasossego) e Obá (a solidão). Sendo assim, concluo preliminarmente que a cultura ioruba é uma cultura heterossexista e heterocêntrica, visto que qualidades negativas como volubilidade e inconstância são simbolizadas pelo odu de Oxumaré. Porém, como disse me amparei em terceiros. Mas talvez se eu fosse para África por ser um mulato de pele clara, talvez tivesse dificuldades de fazer uma imersão no cotidiano dos moradores desses vilarejos, ao ponto de obter confidências sobre questões como representações sexuais. Pesquisador.