quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

PENTECOSTALISMO, METROPOLIZAÇÃO E MODERNIDADE

PENTECOSTALISMO, METROPOLIZAÇÃO E MODERNIDADE Autor: Charles Odevan Xavier “A presença massiva da religião na cidade, uma aparente contradição, mostra bem como se constitui hoje o leque de possibilidades de sentido: a cidade não precisa mais de deus, mas, para aqueles que a própria cidade deserda e desampara, deuses de todo tipo e rito podem ser fartamente encontrados. A cada culto se agrega outro culto, até que se extravasem todas as formas de combinação capazes de responder à criatividade (...) que a cidade, em todas as esferas, incentiva, premia e dela se alimenta” Reginaldo Prandi Este ensaio não é devocional, mas crítico. Para tanto me baseie no trabalho dos teóricos: Francisco Jean Carlos da Silva, Ricardo Mariano, Ronaldo de Almeida e João Décio Passos. O pentecostalismo surgiu com a ocorrência do “falar em línguas” em Topeka entre o século XIX e XX ou em Los Angeles em 1906. A cura divina, batismo do Espírito Santo, doutrina do pré-milenismo e a chama do “falar em línguas” constituíram as principais marcas deste movimento, sendo a última uma marca distintiva para promoção ardente de suas doutrinas. Aqueles que aceitam Topeka como o momento fundante do moderno movimento pentecostal apontam Charles Fox Parham como seu fundador. Foi ele quem pela primeira vez elaborou uma definição teológica do pentecostalismo que sublinhava o vínculo entre “Falar em Línguas” e o batismo do Espírito Santo. “Falar em Línguas” seria a evidência inicial do batismo do Espírito Santo. O pentecostalismo se instalou oficialmente no Brasil através das Igrejas: Congregação Cristã do Brasil e Assembléia de Deus. A primeira se instalou em solo brasileiro, em 1910, no bairro paulistano do Brás. A segunda em 1911, em Belém, no Pará. Essas igrejas foram trazidas dos Estados Unidos da América pelo italiano Luís Francescon e os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren que aqui firmaram suas doutrinas. Mas, como vem ocorrendo esse movimento religioso no Brasil? E qual a relação desta, vamos dizer, ‘socialidade religiosa’ com o processo crescente de metropolização vivido no Brasil? O crescimento do pentecostalismo em vários lugares do Brasil evidenciou que esse movimento apresenta claras distinções de ordem doutrinária. Contudo, parece que, de modo genérico, o núcleo duro do pentecostalismo fundante permaneceu sem sofrer grandes alterações até o final dos anos 50 e início dos 60, do século XX, quando surge no cenário uma segunda onda, constituindo um movimento de renovação carismática. Depois, uma terceira onda iniciada nos anos 1980, que é conhecida como a corrente de renovação da igreja. Segundo Mariano, “com base na discussão das tipologias recentes, a classificação do pentecostalismo tem três vertentes: pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo. E o que caracteriza o pentecostalismo clássico? O pentecostalismo clássico é um termo adotado para transmitir a idéia de antigüidade ou pioneirismo histórico desse movimento. Assim, a Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus podem receber essa nomenclatura. As práticas do prentecostalismo clássico caracterizam-se por enfatizar o “dom de línguas,” a crença na volta iminente de Cristo, a salvação paradisíaca e pelo comportamento de radical sectarismo e asceticismo de rejeição do mundo exterior. Além disso, seus adeptos eram de classes menos favorecidas, rejeitados pelos protestantes históricos e perseguidos pela Igreja Católica. E o Deuteropentecostalismo? O deuteropentecostalismo é a segunda fase do pentecostalismo brasileiro, iniciada no final dos anos 50 e início dos 60, do século passado, caracterizando-se pela inclusão de igrejas carismáticas independentes que aceitam os dons do Espírito Santo como válidos para os dias atuais, porém, são igrejas que permanecem em suas denominações, como: Igreja Quadrangular(1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). Sob a influência dos missionários e ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Williams e Raymond Boatright a segunda onda ganhou uma ênfase diferenciada do pentecostalismo clássico, agora, a bola de vez teológica era o dom de “cura divina,” prática que teve proporções continentais, provocando uma explosão numérica pentecostal em diversas partes do mundo. Apesar de a primeira onda enfatizar o dom de línguas e a segunda, a de cura, “o núcleo doutrinário permanece inalterado em qualquer das ramificações pentecostais. E em que medida o neo-pentecostalismo é continuação ou ruptura com as fases anteriores? O neopentecostalismo ou pós-pentecostalismo é um termo adotado para distinguir a nova roupagem que o pentecostalismo brasileiro vem desenvolvendo desde a segunda metade dos anos 1970, que cresceu e se fortaleceu nos anos 1980 e 90. A Igreja Nova Vida, fundada em 1960, no Rio de Janeiro, pelo missionário canadense Robert McAlister, foi o palco inicial que fez nascer as maiores representatividades desse movimento, através das igrejas: Universal do Reino de Edir Macedo (1977), Internacional da Graça de Deus (1980), Cristo Vive(1986), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Comunidade da Graça (1979), Renascer em Cristo (1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994). E o que caracterizaria essa nova e derradeira fase? O distanciamento substancial do pentecostalismo aconteceu devido à ênfase do pós-pentecostalismo pautar-se na guerra espiritual contra o diabo e seus demônios, a teologia da prosperidade que tem ligação direta com a teologia do pós-milenismo, antagônico da doutrina milenarista dos pentecostais e a eliminação dos sinais externos de santidade. A trilogia diabo, prosperidade-cura e anti-asceticismo sinalizam um novo paradigma na estrutura do pentecostalismo de terceira onda. E sem falar que esta terceira onda se organiza sempre de forma empresarial. Estes fenômenos teológicos tem nítida ligação com o processo de metropolização do Brasil. As pessoas saídas da zona rural e que perderam seus vínculos comunitários originais ao chegar na metrópole, reinventam nestas igrejas os antigos laços comunitários perdidos. Assim os pentecostais buscam fortalecerem-se entre si, em meio a cenários de extrema pobreza material, política e violência urbana. É desta forma uma reação ao endurecimento da vida nas cidades grandes e uma crítica à secularização da modernidade. Mestrando em Letras pela UFC. charlesodevan@gmail.com

O PROVIDENCIALISMO BÍBLICO

O PROVIDENCIALISMO BÍBLICO Autor: Charles Odevan Xavier “Todos esses seres esperam de vós que lhes deis de comer em seu tempo” Sal 103, 27 Este artigo é uma tentativa de reflexão sobre o conceito de providencialismo bíblico. E para tanto, cabe checar no Dicionário Aurélio, o que o mesmo diz sobre o vocábulo ‘providência’: “1. A suprema sabedoria com que Deus conduz todas as coisas.”. Também é interessante checar a definição de ‘providencialismo’: “ Doutrina filosófica que atribui tudo à ação da providência divina.” Partindo dessas premissas lexicográficas, cabe indagar: qual a implicação do conceito de providência para o entendimento de um conceito pressuposto: a natureza de Deus? Sim! Porque se a frase diz que Deus conduz com sabedoria […] O verbo ‘conduzir’ implica numa noção pessoal e intervencionista de Deus, ou numa expressão: um Deus teísta. A cristandade sempre “vestiu” Deus com trajes teístas. E assim, teremos inúmeras passagens em que vemos um Jeovah diretamente afetado por seu suposto povo eleito. Desse modo, O Deus pessoal de Moisés se irrita com a murmuração de seu povo, que não aprecia o sabor do “maná” vindo dos céus para saciar sua fome. E se um Deus se irrita, é lógico que a Bíblia lida com um conceito de pessoa, ainda que a cristandade pós-mosaica tenha “trinitarizado” esta pessoa, que antes, no mosaísmo, era “unitária”. E quais as implicações teológicas do teísmo judaico-cristão? O teísmo concebe Deus como um criador extremamente interessado em sua suposta criação: o universo. Ao contrário do Deísmo de Voltaire e dos Iluministas – o qual concebia o universo criado como um dispositivo automático e auto-regulado por um Deus relojoeiro desinteressado com a criação e, portanto, distante dela – o Teísmo supõe um Deus mecânico, na metáfora do cristão Isaac Newton, constantemente intervindo em sua criação. Enquanto no Deísmo não faz sentido o hábito da prece, partindo do pressuposto de que o Criador teria se ausentado do universo após o ato criador e, portanto, sem poder mudar as leis regulares com que o criou. No teísmo, por sua vez, faz todo sentido a evocação de um suposto criador através do hábito da prece: pois Deus não só intervêm no universo, como pode anular suas leis – vide o episódio do mar vermelho anulando a lei da gravidade e do volume. E cabe perguntar: por que existe prece? Porque existe quem ofereça preces, ou seja, o homem. Então para não ficar pensando apenas na perspectiva do “criador”, que tal analisar a perspectiva da suposta criatura? Enquanto o Ocidente concebe Deus como metáforas da mesopotâmia: Rei dos reis, senhor dos exércitos; por sua vez o mesmo Ocidente concebe a “criatura” como tendo sido feita de barro. E, é na metáfora do artefato, que o homem ocidental se vê. Assim faz todo um sentido um Deus “criador” que moldou o homem do barro e o universo do átomo. E para tanto faz todo sentido também o conceito de providência, pois se o homem é o artefato e Deus é o artífice, geralmente os artistas têm zelo com suas esculturas. Mestrando em Letras pela UFC charlesodevan@gmail.com

A ESPIRITUALIDADE DO UNIVERSO SEM AUTOR

A ESPIRITUALIDADE DO UNIVERSO SEM AUTOR Charles Odevan Xavier “Um Deus compreendido não é Deus” Rudolf Otto “Não há dúvida de que a ciência legou ao mundo moderno, por meio de teorias como a mecânica newtoniana e a darwinista (esta, objeto de mal-estar para a Igreja ainda nos tempos atuais), uma visão do universo como algo vazio e sem autor.” Luís Felipe Pondé Este ensaio parte de um paradoxo aparente e quase insolúvel: como espiritualizar um universo que não teve Criador? Como sacralizar um universo que talvez não seja o kosmos dos gregos – a saber: um todo ordenado, harmonioso e cheio de regularidades? Como reagirá o homem moderno ante a angustiante orfandade de um universo vazio e indiferente, segundo o modelo astrofísico de Newton? Pois com a física newtoniana o universo passou a ser uma caixa de areias e pedras que se atraem e se repelem matematicamente. Ainda quando vigorava o modelo aristotélico de descrição do universo podia se ver no universo: a assinatura de Deus. Uma assinatura física mas também moral. Pois a física aristotélica trabalhava com a noção de finalidade e dava um rastro teleológico ao universo da idade média. Assim a “Criação” tinha um objetivo. E isso confortava as pessoas. Contudo com o modelo de Newton algo se quebrou. O universo deixou de ser uma casa onde se manifestava os desígnios de um “Criador” e passou a ser um lugar desolado e frio, regido por leis probabilísticas e fixas, sem lugar para milagres e intervenções sobrenaturais. Embora Newton não fosse ateu, em seu fórum íntimo havia lugar para Deus; já em seu modelo as coisas não passavam a ocorrer pela “vontade de Deus”, mas passavam a se mover sozinhas. A solidão se instaura aí nesse universo contaminando a vida dos homens e mulheres, fazendo-os sentirem-se como pedras que vagam sozinhas pelo universo indiferente. E o que propor neste cenário para torná-lo mais tolerável? Se não podemos transcendentalizar o universo e se só nos resta imanentizá-lo, que tal tentar salvar esse universo pela estética, já que não podemos teologizá-lo? Sim! Mesmo que o universo seja fruto de uma explosão que aconteceu há prováveis 20 milhões de anos atrás (Dicionário Enciclopédio de Astronomia e Astronáutica de Ronaldo R. de F. Mourão), sem nenhum propósito aparente e sem nenhuma assinatura; que tal poetizar as galáxias, os aglomerados, as estrelas, os cometas, os meteoros que nos inspiram otimismo e os crepúsculos penumbrados que nos sugerem melancolia e instrospecção? Eis a minha proposta: se não podemos salvar o universo pela religião, pois o universo não cabe nos domínios da mesma, que tal resgatá-lo pela arte? Mestrando em Letras pela UFC.